terça-feira, 7 de agosto de 2012

OS ASPETOS MENOS FALADOS DA FADIGA DE AJUSTAMENTO

Apesar das diferenças de dimensão entre as duas economias, Portugal e Espanha, e do facto de uma estar sob resgate financeiro e a outra ainda à procura da solução menos má para entrar nesse clube, as situações são cada vez mais convergentes. E são-no do ponto de vista do que poderiam designar de aspetos menos citados da fadiga de ajustamento. Não é difícil imaginar que a situação italiana caminha também para aí.
O primeiro aspeto prende-se com a degradação das maiorias no poder. Em Espanha a perda de fôlego do governo é manifesta, mau prenúncio para um outono que será o início de todas as dificuldades, com os pontos nos iiis das condições de resgate. Mas o aspeto mais delicado como fadiga de ajustamento não é propriamente o desgaste político inevitável de quem gere os programas de ajustamento. O mais preocupante é o nível de desânimo e descrença dos cidadãos em geral. O que falha então nos programas de ajustamento? Falha o não ter em conta uma variável decisiva para a componente de crescimento económico, que consiste na capacidade de mobilização dos cidadãos para um sentido de mudança, sem o qual os programas de ajustamento empobrecedor conduzirão as economias sob resgate a um beco sem saída, isto é, à sua própria negação.
O segundo aspeto, esse mais oculto, é o aproveitamento das condições de ajustamento para uma ofensiva (eleitoralmente não legitimada) sobre os processos de descentralização, caso mais evidente das autonomias espanholas, mas extensivo em Portugal ao anátema que pesa sobre os municípios e mesmo sobre as autonomias existentes. Não está aqui em causa a sacralização intocável das soluções de descentralização e das autonomias. Mas os eventuais desvarios de despesa que podem ser identificados na descentralização é no plano político que devem ser combatidos. Não podem ser combatidos por recuos institucionais. Em Portugal e Espanha, sobretudo nesta última, os equilíbrios constitucionais que viabilizaram os processos de descentralização são conquistas básicas da democracia, arquitetadas por gente de grande visão, sentido de equilíbrio e tolerância, que não podem ser postas em causa por processos sem legitimidade democrática. E se compararmos tais “desvarios” com os que resultam dos diferentes “polvos” em que o poder centralizado se transformou são brincadeiras de meninos. Tais desvarios combatem-se com aprofundamentos do processo de descentralização, impondo às lideranças locais e regionais o ónus fiscal de arrecadação de receitas compatíveis com os mesmos. Remédio santo. Até lá, os amigos da corte e na imprensa de raiz lisboeta há tantos representantes desse repentino amor pela boa aplicação dos dinheiros públicos, tudo farão para procurar na descentralização a raiz de todos os males.
Finalmente, a Itália (via El País de hoje) traz-nos um outro aspeto menos considerado dos programas de ajustamento e que vai fazer certamente escola também em Espanha, Portugal e Grécia que, juntamente com Itália, representam 13% do património mundial protegido. A notícia é sugestiva: No hay dinero ni para piedras”. Por outras palavras, não há dinheiro público para a preservação do Coliseu de Roma, ameaçado de séria degradação. A solução parece ter sido a de um empresário de calçado italiano dispender cerca de 25 milhões de euros para assegurar as obras de reparação necessárias. Não é difícil imaginar o que de sensível este simples facto traz às relações entre público e privado nunca coisa tão básica como os bens culturais públicos. Não será difícil também antecipar casos desta natureza em Portugal, Espanha e Grécia.
Somos todos diferentes. Mas a convergência destes aspetos menos falados da fadiga do ajustamento é manifesta.

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