Apesar das diferenças de dimensão entre as duas
economias, Portugal e Espanha, e do facto de uma estar sob resgate financeiro e
a outra ainda à procura da solução menos má para entrar nesse clube, as situações
são cada vez mais convergentes. E são-no do ponto de vista do que poderiam designar
de aspetos menos citados da fadiga de ajustamento. Não é difícil imaginar que a
situação italiana caminha também para aí.
O primeiro aspeto prende-se com a degradação das maiorias
no poder. Em Espanha a perda de fôlego do governo é manifesta, mau prenúncio
para um outono que será o início de todas as dificuldades, com os pontos nos
iiis das condições de resgate. Mas o aspeto mais delicado como fadiga de ajustamento
não é propriamente o desgaste político inevitável de quem gere os programas de
ajustamento. O mais preocupante é o nível de desânimo e descrença dos cidadãos
em geral. O que falha então nos programas de ajustamento? Falha o não ter em
conta uma variável decisiva para a componente de crescimento económico, que
consiste na capacidade de mobilização dos cidadãos para um sentido de mudança,
sem o qual os programas de ajustamento empobrecedor conduzirão as economias sob
resgate a um beco sem saída, isto é, à sua própria negação.
O segundo aspeto, esse mais oculto, é o aproveitamento
das condições de ajustamento para uma ofensiva (eleitoralmente não legitimada)
sobre os processos de descentralização, caso mais evidente das autonomias
espanholas, mas extensivo em Portugal ao anátema que pesa sobre os municípios e
mesmo sobre as autonomias existentes. Não está aqui em causa a sacralização intocável
das soluções de descentralização e das autonomias. Mas os eventuais desvarios
de despesa que podem ser identificados na descentralização é no plano político
que devem ser combatidos. Não podem ser combatidos por recuos institucionais.
Em Portugal e Espanha, sobretudo nesta última, os equilíbrios constitucionais
que viabilizaram os processos de descentralização são conquistas básicas da
democracia, arquitetadas por gente de grande visão, sentido de equilíbrio e
tolerância, que não podem ser postas em causa por processos sem legitimidade
democrática. E se compararmos tais “desvarios” com os que resultam dos diferentes
“polvos” em que o poder centralizado se transformou são brincadeiras de
meninos. Tais desvarios combatem-se com aprofundamentos do processo de
descentralização, impondo às lideranças locais e regionais o ónus fiscal de
arrecadação de receitas compatíveis com os mesmos. Remédio santo. Até lá, os
amigos da corte e na imprensa de raiz lisboeta há tantos representantes desse
repentino amor pela boa aplicação dos dinheiros públicos, tudo farão para
procurar na descentralização a raiz de todos os males.
Finalmente, a Itália (via El País de hoje) traz-nos um
outro aspeto menos considerado dos programas de ajustamento e que vai fazer certamente
escola também em Espanha, Portugal e Grécia que, juntamente com Itália,
representam 13% do património mundial protegido. A notícia é sugestiva: “No hay dinero ni para piedras”. Por
outras palavras, não há dinheiro público para a preservação do Coliseu de Roma,
ameaçado de séria degradação. A solução parece ter sido a de um empresário de
calçado italiano dispender cerca de 25 milhões de euros para assegurar as obras
de reparação necessárias. Não é difícil imaginar o que de sensível este simples
facto traz às relações entre público e privado nunca coisa tão básica como os
bens culturais públicos. Não será difícil também antecipar casos desta natureza
em Portugal, Espanha e Grécia.
Somos todos diferentes. Mas a convergência destes aspetos
menos falados da fadiga do ajustamento é manifesta.
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