Desde o início das curtas férias deste ano, estou ainda às
voltas com os escritos de John Maynard Keynes (JMK) sobre a sua proposta de
meados dos anos 40 para uma moeda comum e um sistema de clearing internacional e, em simultâneo, com os escritos revolucionários
do meu amigo José Cerqueira sobre alguns problemas não totalmente resolvidos do
mesmo JMK na Teoria Geral. Tarefa algo pesada para quem está um pouco perro
nestas questões da macroeconomia mais abstrata que me tem afastado de outras
leituras.
Mas mesmo nesta encruzilhada de leituras exigindo tempo
de leitura e maturação que a minha exigente vida profissional não proporciona,
não resisti a cruzar os meus tempos de leitura com a entrada no fascinante Not for Profit
de Martha Nussbaum.
Nussbaum é para mim a principal filósofa do
desenvolvimento hoje viva, que entrou irreversivelmente nos meus registos com
os seus escritos sobre a conceptualização e os problemas metodológicos de
medida da qualidade de vida, alguns dos quais escritos com Amartya Sen. É uma
referência de pensamento incontornável e a quem deve sempre recorrer-se quando
está em causa a conceptualização do desenvolvimento. Uma âncora segura.
Mas o Not for Profit – why democracy needs humanities
remete para outros domínios. É uma obra revigorante sobretudo para quem
trabalha em questões de educação e de formação e que, umas vezes por convicção
ideológica que não é o meu caso, outras por inerência de trabalho profissional,
tende a usar frequentemente o conceito de capital humano. Na verdade, a
utilização abusiva do conceito de skills ou mesmo de competências
enferma da perigosa e abusiva associação exclusiva dos processos educativos ao
seu contributo produtivo. Nussbaum contrapõe dois universos, a educação para o
lucro e a educação para a democracia, procurando mostrar que o conceito de
capital humano pode conduzir à deriva perigosa de associar a educação a um
simples contributo para a formação do produto de uma sociedade. Os riscos dessa
deriva são essencialmente desastrosos em períodos de vacas magras, pois nesses
períodos o disciplinador de serviço e há-os sempre em posição e disponíveis
recorre frequentemente ao argumento do contributo produtivo para o crescimento da
educação para fazer correr a tesoura orçamental.
O que nos vem dizer Nussbaum é que os domínios educativos
no domínio das humanidades e das artes são fundamentais para uma educação que
sirva a democracia e o seu fortalecimento. Assim se assiste a uma deriva de
cortes e perda de qualidade do ensino das humanidades e das artes com o
argumento do seu baixo contributo para o ambicionado crescimento económico. E
entrar nesta lógica de argumentação com a referência ao valor económico da língua
ou das artes (criatividade e indústrias culturais) será sempre um jogo perigoso.
As skills para a democracia não têm
necessariamente de gerar um contributo para o crescimento económico: “A educação
para o crescimento económico assentará provavelmente em padrões similares por
todo o lado, já que a prossecução do crescimento económico sem limites não
conduzirá a pensamento sensível à distribuição e à desigualdade social” (p.22).
Para quem como eu é profissionalmente obrigado a laborar em torno
dos conceitos de capital humano e de competências, a obra de Nussbaum é
revigorante e um alerta de sanidade mental para usar sem limites.
Para além disso, a obra de Nussbaum, professora na
Universidade de Chicago, é indicativa do clima de debate intelectual vigente em
muitas universidades americanas, mesmo que as forças republicanas se esforcem frequentemente
por limitar ou torpedear esse debate. Nussbaum e James Heckman, talvez o mais
relevante investigador NOBEL sobre o capital humano, discutiram estas questões
com elevação. Haveremos de voltar a este tema.
Sem comentários:
Enviar um comentário