terça-feira, 28 de agosto de 2012

NOT FOR PROFIT


Desde o início das curtas férias deste ano, estou ainda às voltas com os escritos de John Maynard Keynes (JMK) sobre a sua proposta de meados dos anos 40 para uma moeda comum e um sistema de clearing internacional e, em simultâneo, com os escritos revolucionários do meu amigo José Cerqueira sobre alguns problemas não totalmente resolvidos do mesmo JMK na Teoria Geral. Tarefa algo pesada para quem está um pouco perro nestas questões da macroeconomia mais abstrata que me tem afastado de outras leituras.
Mas mesmo nesta encruzilhada de leituras exigindo tempo de leitura e maturação que a minha exigente vida profissional não proporciona, não resisti a cruzar os meus tempos de leitura com a entrada no fascinante Not for Profit de Martha Nussbaum.
Nussbaum é para mim a principal filósofa do desenvolvimento hoje viva, que entrou irreversivelmente nos meus registos com os seus escritos sobre a conceptualização e os problemas metodológicos de medida da qualidade de vida, alguns dos quais escritos com Amartya Sen. É uma referência de pensamento incontornável e a quem deve sempre recorrer-se quando está em causa a conceptualização do desenvolvimento. Uma âncora segura.
Mas o Not for Profit – why democracy needs humanities remete para outros domínios. É uma obra revigorante sobretudo para quem trabalha em questões de educação e de formação e que, umas vezes por convicção ideológica que não é o meu caso, outras por inerência de trabalho profissional, tende a usar frequentemente o conceito de capital humano. Na verdade, a utilização abusiva do conceito de skills ou mesmo de competências enferma da perigosa e abusiva associação exclusiva dos processos educativos ao seu contributo produtivo. Nussbaum contrapõe dois universos, a educação para o lucro e a educação para a democracia, procurando mostrar que o conceito de capital humano pode conduzir à deriva perigosa de associar a educação a um simples contributo para a formação do produto de uma sociedade. Os riscos dessa deriva são essencialmente desastrosos em períodos de vacas magras, pois nesses períodos o disciplinador de serviço e há-os sempre em posição e disponíveis recorre frequentemente ao argumento do contributo produtivo para o crescimento da educação para fazer correr a tesoura orçamental.
O que nos vem dizer Nussbaum é que os domínios educativos no domínio das humanidades e das artes são fundamentais para uma educação que sirva a democracia e o seu fortalecimento. Assim se assiste a uma deriva de cortes e perda de qualidade do ensino das humanidades e das artes com o argumento do seu baixo contributo para o ambicionado crescimento económico. E entrar nesta lógica de argumentação com a referência ao valor económico da língua ou das artes (criatividade e indústrias culturais) será sempre um jogo perigoso. As skills para a democracia não têm necessariamente de gerar um contributo para o crescimento económico: “A educação para o crescimento económico assentará provavelmente em padrões similares por todo o lado, já que a prossecução do crescimento económico sem limites não conduzirá a pensamento sensível à distribuição e à desigualdade social” (p.22).
Para quem como eu é profissionalmente obrigado a laborar em torno dos conceitos de capital humano e de competências, a obra de Nussbaum é revigorante e um alerta de sanidade mental para usar sem limites.
Para além disso, a obra de Nussbaum, professora na Universidade de Chicago, é indicativa do clima de debate intelectual vigente em muitas universidades americanas, mesmo que as forças republicanas se esforcem frequentemente por limitar ou torpedear esse debate. Nussbaum e James Heckman, talvez o mais relevante investigador NOBEL sobre o capital humano, discutiram estas questões com elevação. Haveremos de voltar a este tema.

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