É com prazer que recolho a evidência da obra de Hirschman
estar a ser cada vez mais referenciada, quer do ponto de vista da ciência política,
quer da economia política, no quadro de uma tradição global que é de facto a da
economia política.
Para além da obra de Hirschman ser o patrono inspirador
deste blogue, creio ser sem modéstia um dos grandes divulgadores da obra deste
autor em Portugal, tendo-lhe dedicado pioneiramente na antologia sobre as teorias
e políticas de (des) subdesenvolvimento que publiquei com o atual Governador do
Banco de Portugal Carlos S. Costa um lugar de realce. Ainda sem falsa modéstia,
creio que a atenção que o Centro de Estudos Sociais (CES) de Coimbra tem
dedicado à sua obra é posterior à nossa divulgação. Aliás, conservo como uma
preciosidade a seu tempo a ser divulgada a simpática carta de resposta que o próprio
Hirschman nos endereçou quando lhe enviámos os dois volumes publicados da
antologia acima referida pela Afrontamento.
Algumas obras de Hirschman são eternas e mais de quarenta
anos depois da sua publicação continuam a inspirar análises, comentários e
reflexões de grande alcance para a encruzilhada em que as sociedades ocidentais
se encontram.
Hoje, nas minhas leituras de esplanadas de praia, com um
verão finalmente a despontar, registei, no El País, um interessante artigo de
Fernando Esteve, professor titular de Teoria Económica na Universidade Autónoma
de Madrid, que utiliza o referencial de Hirschman para refletir sobre o
movimento dos indignados 15M em Espanha. A referência é, como não podia deixar
de ser, o Exit, Voice and
Loyalty já aqui neste blogue abundantemente referido.
A tese é conhecida. Nas sociedades e nas organizações há
dois comportamentos que se confrontam do ponto de vista do comportamento dos
cidadãos face à degradação da sua qualidade de funcionamento. O comportamento
de abandono (Exit) que se traduz na saída do sistema. O comportamento de
intervenção ativa (Voice) que visa a partir de dentro combater essa degradação,
sendo tanto mais consistente quanto mais ele provém dos que mantêm uma relação
de lealdade (Loyalty) para com essa sociedade ou organização.
Projetando esta tese nos sistemas democráticos, o movimento
dos indignados 15M pode ser visto como um comportamento de Voice, orientado
para a requalificação do sistema democrático.
Assim interpretado o movimento do 15M, a repressão
gratuita sobre as suas manifestações e a incapacidade de diálogo democrático
com o mesmo pode ser lida como um alinhamento com saídas não democráticas, isto
é, no exterior do sistema democrático. A alusão de Esteve é subtil, denunciando
a inconsistência da sua repressão com base na defesa da democracia. Calar estas
vozes significará dar força aos que aspiram a um comportamento de Exit, isto é,
de procura de soluções no exterior do sistema democrático. Tudo isto dito e
escrito em Espanha tem um significado completamente diferente do que poderia
ter em Portugal. Espanha é um caso típico de baixa participação institucional
mas forte participação de rua.
Por todos estes motivos, valeu a pena o projeto deste blogue construído
a partir da matriz inspiradora da obra de Hirschman.
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