quinta-feira, 9 de agosto de 2012

CADA VEZ MAIS HIRSCHMAN


É com prazer que recolho a evidência da obra de Hirschman estar a ser cada vez mais referenciada, quer do ponto de vista da ciência política, quer da economia política, no quadro de uma tradição global que é de facto a da economia política.
Para além da obra de Hirschman ser o patrono inspirador deste blogue, creio ser sem modéstia um dos grandes divulgadores da obra deste autor em Portugal, tendo-lhe dedicado pioneiramente na antologia sobre as teorias e políticas de (des) subdesenvolvimento que publiquei com o atual Governador do Banco de Portugal Carlos S. Costa um lugar de realce. Ainda sem falsa modéstia, creio que a atenção que o Centro de Estudos Sociais (CES) de Coimbra tem dedicado à sua obra é posterior à nossa divulgação. Aliás, conservo como uma preciosidade a seu tempo a ser divulgada a simpática carta de resposta que o próprio Hirschman nos endereçou quando lhe enviámos os dois volumes publicados da antologia acima referida pela Afrontamento.
Algumas obras de Hirschman são eternas e mais de quarenta anos depois da sua publicação continuam a inspirar análises, comentários e reflexões de grande alcance para a encruzilhada em que as sociedades ocidentais se encontram.
Hoje, nas minhas leituras de esplanadas de praia, com um verão finalmente a despontar, registei, no El País, um interessante artigo de Fernando Esteve, professor titular de Teoria Económica na Universidade Autónoma de Madrid, que utiliza o referencial de Hirschman para refletir sobre o movimento dos indignados 15M em Espanha. A referência é, como não podia deixar de ser, o Exit, Voice and Loyalty já aqui neste blogue abundantemente referido.
A tese é conhecida. Nas sociedades e nas organizações há dois comportamentos que se confrontam do ponto de vista do comportamento dos cidadãos face à degradação da sua qualidade de funcionamento. O comportamento de abandono (Exit) que se traduz na saída do sistema. O comportamento de intervenção ativa (Voice) que visa a partir de dentro combater essa degradação, sendo tanto mais consistente quanto mais ele provém dos que mantêm uma relação de lealdade (Loyalty) para com essa sociedade ou organização.
Projetando esta tese nos sistemas democráticos, o movimento dos indignados 15M pode ser visto como um comportamento de Voice, orientado para a requalificação do sistema democrático.
Assim interpretado o movimento do 15M, a repressão gratuita sobre as suas manifestações e a incapacidade de diálogo democrático com o mesmo pode ser lida como um alinhamento com saídas não democráticas, isto é, no exterior do sistema democrático. A alusão de Esteve é subtil, denunciando a inconsistência da sua repressão com base na defesa da democracia. Calar estas vozes significará dar força aos que aspiram a um comportamento de Exit, isto é, de procura de soluções no exterior do sistema democrático. Tudo isto dito e escrito em Espanha tem um significado completamente diferente do que poderia ter em Portugal. Espanha é um caso típico de baixa participação institucional mas forte participação de rua.
Por todos estes motivos, valeu a pena o projeto deste blogue construído a partir da matriz inspiradora da obra de Hirschman.

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