(in Part-time work in Europe, 2009)
A crónica de Rui Tavares no Público de hoje, “Partilhar o
tempo”, retoma uma utopia que alguma esquerda não alinhada diretamente com a
governação tem invocado como solução para a crise estrutural de desemprego e
para os correspondentes dilemas do Estado Protetor ou Social. Numa frase
simples: a partilha do emprego e a diminuição do tempo de trabalho.
A dicotomia de que parte Rui Tavares, admitir a falência
do Estado Protetor ou consagrar o aumento inexorável do tempo de trabalho,
incluindo neste último ponto o aumento da idade ativa (e consagrar como os
japoneses uma taxa mais elevada de trabalhadores idosos) não me parece feliz. Há,
sobretudo, dois pontos em falta que me parecem demasiado importantes para serem
marginalizados, senão mesmo ignorados, no raciocínio. Por um lado, as questões
demográficas parecem não existir e, como vimos no penúltimo post, existem mesmo
e tenderão a ser estruturais nas próximas três décadas. Por outro, a globalização
e os rumos que ela pode ou deve assumir estão também ausentes. Por outro ainda,
as empresas também estão ausentes. Todos estes fatores não estando presentes na
discussão do tempo de trabalho e da sua organização social conduzem a um certo
romantismo de soluções, que não contribuirá em nada para consolidar as tais
alternativas de esquerda que Rui Tavares se propõe defender.
A divisão (partilha) do tempo de trabalho, objetivamente
conducente à sua diminuição, constitui uma utopia de engenharia e organização
sociais que tem ganho alguma projeção em sociedades de organização mais madura
e sobretudo com grupos sociais mais recetivos a valores de autossatisfação,
prazer e conceção mais lúdica da vida. Estes valores num número alargado de
indivíduos não são proporcionáveis pelas experiências e trajetórias de trabalho
que se conseguem forjar. Além disso, em algumas dessas sociedades, a elevada
carga fiscal sobre os rendimentos do trabalho acaba por assumir uma influência
complementar. Não será por acaso que Dinamarca, Alemanha e Suécia apresentem
pesos de trabalho a tempo parcial em torno dos 26%, mesmo assim bastante
inferiores aos 48% da Holanda.
Esta utopia de engenharia e organização social quando
transposta para economias de baixos salários como Portugal perde claramente
esse alcance. A nossa pluriatividade, grande parte dela abrangida pela economia
informal ou subterrânea, é antes uma busca desesperada de complemento de
rendimento. Será possível estimular a divisão do trabalho em alguns segmentos
de população empregada, menos sensível à busca de complemento de rendimento e
mais propensa à procura de outros valores de fruição e felicidade. Mas o síndroma
dos salários baixos dinamita o alcance de engenharia social. Aliás,
praticamente todo o mercado de trabalho português é atingido por esse síndroma.
Nesse contexto, comparações com o potencial que as elevadas taxas de trabalho a
tempo parcial apresentam em algumas sociedades europeias são penosas e conduzem
a ações políticas eivadas de um romantismo ingénuo que nada contribuirão para
consolidar alternativas políticas com massa crítica de adesão entre a população
mais desfavorecida e classes médias.
A recuperação do síndroma de salários baixos é crucial
para forjar uma trajetória virtuosa de comportamentos e de funcionamento do
mercado de trabalho. Os esforços do paradigma económico dominante têm sido
antes pelo contrário no sentido de o protelar no tempo, com o pretexto de uma
história mal contada sobre a evolução salarial em Portugal.
O relatório Part Time Work in Europe (2009) da European Foundation
for the Improvement of Living and Working Conditions continua a
ser um bom relatório de suporte, mas tentarei nos próximos dias encontrar
alguma investigação mais recente.
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