domingo, 12 de agosto de 2012

BCE: UMA NO CRAVO …


Alguns observadores têm exultado com os sucessivos golpes de rins de Mário Draghi à frente do BCE para contornar as dificuldades suscitadas pelas posições alemães no interior daquela instituição.
Reconheço que Draghi tem manifestado alguma capacidade negocial, bem superior à do seu antecessor Trichet. Mas se nos fixarmos numa trajetória de tomadas de decisão assumidas pelo BCE, ela é mais errática e ziguezagueante do que pode parecer, numa sucessão de “uma no cravo, outra na ferradura” que diz bem da inconsistência com que a zona euro está a ser gerida.
Um bom exemplo dessa trajetória é a agora anunciada decisão de comprar dívida pública de curto prazo dos países sob o fogo da crise das dívidas soberanas. Tal decisão pode disciplinar um pouco os mercados para essas maturidades de dívida, mas parece-me claro que não resolve o problema essencial. Mandam os cânones que, em situações desta natureza, quanto menos pesada for a dívida de curto prazo dos países sob fogo, mais favorável é a sua posição para gerar soluções alternativas de mais longo prazo. Tudo indica que a posição do BCE estimulará o endividamento adicional de curto prazo, complicando uma situação que já é por si só suficientemente complexa, não se vislumbrando uma trajetória credível de redução sustentada do peso da dívida.
Um outro domínio em que é bem visível a cristalização ideológica do BCE é a sua reiterada defesa de redução das remunerações salariais nos países da europa do sul como resposta ao desemprego que tem vindo a grassar nestes países.
A obsessão ideológica é clara. A dimensão do desemprego nestes países prende-se essencialmente com dois fatores que não se combatem com a redução salarial: primeiro, o que a UE vive é essencialmente um problema de procura global; segundo, uma grande parte do desemprego prende-se com uma situação típica de fim de ciclo longo, ou seja, as economias de mercado buscam um novo paradigma de ramos motores de crescimento. Em ambas as situações, a redução salarial é absurda e não constitui fator eficaz de relançamento económico.
Aliás, o próprio Banco de Inglaterra não podia ser mais claro no seu último relatório sobre a inflação no Reino Unido: a crise na zona euro e o crescimento do preço de algumas “commodities” deprimiram significativamente a procura, sendo a debilidade da procura o principal fator responsável pela ausência de crescimento. O relatório é particularmente incisivo quando à influência que esta debilidade de procura está a provocar em termos de oferta, agravada ainda pela desfuncionalidade do sistema bancário que tem inviabilizado a ligação entre emprestadores e os que carecem de crédito.
Com esta situação, insistir na redução salarial é obsessão doutrinária. Como já aqui demonstrei em contributos anteriores, o problema da redução salarial pode colocar-se quando muito no setor não transacionável, já que o seu aumento desmesurado se deveu a um choque de procura fortemente impulsionado pelo “el dorado” de oferta de crédito que o pré 2008 viabilizou.
Há, sim, um problema estrutural de procura, parte do qual se deve a uma situação de fim de ciclo longo e aí a história do longo prazo ensina-nos quão penosos são essas transições.

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