Retomo a reflexão do post
anterior sobre a partilha do tempo de trabalho inspirada pela crónica desta
semana no Jornal Público do historiador Rui Tavares.
A tese por mim exposta pode ser resumida do seguinte
modo: há que distinguir com clarividência duas dimensões: a interpretação da
diminuição e da partilha do tempo de trabalho como utopia de organização social
para combater seja o desemprego, seja as maleitas do Estado social; a sua
aplicação a uma sociedade concreta, como, por exemplo, a portuguesa.
De facto, a partilha do tempo de trabalho e a categoria
do “trabalho a tempo parcial”, que constitui a manifestação desse fenómeno mais
facilmente apreensível no plano empírico, não podem deixar de estar profundamente
imbricados nos contextos sócioeconómicos dos mercados de trabalho dos países. Em
países de salários baixos (e sob pressão do seu rebaixamento), esse contexto
determina uma forte propensão para a pluriatividade, a que os indivíduos e as
famílias recorrem como instrumento de completamento de rendimento. Do ponto de
vista empresarial, a partilha do tempo de trabalho imbrica-se com o tema da
flexibilidade desses tempos. São conhecidos os modelos complexos de tempos de
trabalho que, por exemplo, as grandes superfícies (hipermercados, por exemplo)
que os departamentos de recursos humanos utilizam para organizar a “produção”,
gerando uma família fortemente fracionada de horários de trabalho. Nestes
casos, excetuando algumas situações residuais (estudantes, por exemplo) essa diversidade
de tempos de trabalho é do interesse da oferta de emprego, não propriamente de
quem o procura que desejaria um tempo de trabalho total. Já, por exemplo, na
produção industrial, essa flexibilidade é bem mais reduzida e o “part-time”, em situações normais de mercado,
não corresponde aos interesses da oferta. Os elevados custos organizacionais da
produção que nem sempre as soluções tecnológicas conseguem ultrapassar levam as
empresas a minimizar essas situações.
Mas é sobretudo o contexto de salários baixos que inibe a
partilha do tempo de trabalho como forma superior de encarar a vida e de
organizar os seus tempos em função de padrões de usufruição do tempo livre, das
ocupações alternativas, do voluntariado e de outras formas atividade que, regra
geral, encontramos nas sociedades mais desenvolvidas.
Retomo também algumas evidências empíricas que ficaram
por mostrar no post anterior, que me levaram a uma pesquisa rápida pelo
Eurostat, sobretudo pelo abundante espólio de informação que a Labor Force
Survey europeia representa não só para a investigação, mas também
para a intervenção cívica.
O gráfico que abre este contributo atualiza para 2011
algumas das minhas afirmações. É aí visível a completamente distinta situação
dos Países Baixos que podem ser apresentados como o campeão do “part-time”. Portugal está bem abaixo da
média da zona Euro e sensivelmente abaixo das sociedades mais desenvolvidas em
que o fenómeno prolifera.
Na tentativa de procurar alguma especificidade portuguesa
na realidade do segundo emprego, calculámos a percentagem do segundo emprego em
relação ao emprego total. Portugal tem uma das mais altas percentagens na zona
Euro, mas em conjunto com sociedades desenvolvidas. Há uma correlação entre
este indicador e a relevância do trabalho a tempo parcial, pelo que para
identificar o efeito de completamento de rendimento teríamos que explorar
modelos de análise mais sofisticados.
Finalmente, representámos para Portugal a evolução do
peso do trabalho a tempo parcial e da taxa de desemprego (média anual) e aí se
observa nos últimos o crescimento simultâneo de ambos os indicadores.
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