terça-feira, 21 de agosto de 2012

AINDA A QUESTÃO DA PARTILHA DO TEMPO DE TRABALHO


Retomo a reflexão do post anterior sobre a partilha do tempo de trabalho inspirada pela crónica desta semana no Jornal Público do historiador Rui Tavares.
A tese por mim exposta pode ser resumida do seguinte modo: há que distinguir com clarividência duas dimensões: a interpretação da diminuição e da partilha do tempo de trabalho como utopia de organização social para combater seja o desemprego, seja as maleitas do Estado social; a sua aplicação a uma sociedade concreta, como, por exemplo, a portuguesa.
De facto, a partilha do tempo de trabalho e a categoria do “trabalho a tempo parcial”, que constitui a manifestação desse fenómeno mais facilmente apreensível no plano empírico, não podem deixar de estar profundamente imbricados nos contextos sócioeconómicos dos mercados de trabalho dos países. Em países de salários baixos (e sob pressão do seu rebaixamento), esse contexto determina uma forte propensão para a pluriatividade, a que os indivíduos e as famílias recorrem como instrumento de completamento de rendimento. Do ponto de vista empresarial, a partilha do tempo de trabalho imbrica-se com o tema da flexibilidade desses tempos. São conhecidos os modelos complexos de tempos de trabalho que, por exemplo, as grandes superfícies (hipermercados, por exemplo) que os departamentos de recursos humanos utilizam para organizar a “produção”, gerando uma família fortemente fracionada de horários de trabalho. Nestes casos, excetuando algumas situações residuais (estudantes, por exemplo) essa diversidade de tempos de trabalho é do interesse da oferta de emprego, não propriamente de quem o procura que desejaria um tempo de trabalho total. Já, por exemplo, na produção industrial, essa flexibilidade é bem mais reduzida e o “part-time”, em situações normais de mercado, não corresponde aos interesses da oferta. Os elevados custos organizacionais da produção que nem sempre as soluções tecnológicas conseguem ultrapassar levam as empresas a minimizar essas situações.
Mas é sobretudo o contexto de salários baixos que inibe a partilha do tempo de trabalho como forma superior de encarar a vida e de organizar os seus tempos em função de padrões de usufruição do tempo livre, das ocupações alternativas, do voluntariado e de outras formas atividade que, regra geral, encontramos nas sociedades mais desenvolvidas.
Retomo também algumas evidências empíricas que ficaram por mostrar no post anterior, que me levaram a uma pesquisa rápida pelo Eurostat, sobretudo pelo abundante espólio de informação que a Labor Force Survey europeia representa não só para a investigação, mas também para a intervenção cívica.
O gráfico que abre este contributo atualiza para 2011 algumas das minhas afirmações. É aí visível a completamente distinta situação dos Países Baixos que podem ser apresentados como o campeão do “part-time”. Portugal está bem abaixo da média da zona Euro e sensivelmente abaixo das sociedades mais desenvolvidas em que o fenómeno prolifera.
Na tentativa de procurar alguma especificidade portuguesa na realidade do segundo emprego, calculámos a percentagem do segundo emprego em relação ao emprego total. Portugal tem uma das mais altas percentagens na zona Euro, mas em conjunto com sociedades desenvolvidas. Há uma correlação entre este indicador e a relevância do trabalho a tempo parcial, pelo que para identificar o efeito de completamento de rendimento teríamos que explorar modelos de análise mais sofisticados.
Finalmente, representámos para Portugal a evolução do peso do trabalho a tempo parcial e da taxa de desemprego (média anual) e aí se observa nos últimos o crescimento simultâneo de ambos os indicadores.

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