quinta-feira, 31 de julho de 2014

NÃO LEMBRARIA AO CARECA …


“Esta não lembrava ao careca” é uma máxima popularizada pelo inconfundível Marcelo Rebelo de Sousa quando se tem que referir no seu comentário de domingo a alguma coisa ou decisão com a qual não concorda mas que, com outros valores na balança (o que é muito comum nos comentários de MRS se estiverem atentos), tem de ser rapidamente despachada para não se comprometer em excesso nem produzir crítica virulenta.
Ora, com o retintamente calvo novo Presidente do BES Vítor Bento a ter que meter as mãos na trampa em que se transformou a relação entre BES e GES, começando por ter de publicar contas com as quais não pode responsabilizar-se a anunciar ao mercado prejuízos de tal dimensão e explicações tão incómodas, a expressão que emerge no meu vocabulário é que isto “não lembraria ao careca”.
Provavelmente nunca saberemos se Vítor Bento com a sua experiência terá ou não antecipado o que iria encontrar debaixo dos tapetes das decisões comprometidas e inquinadas destes CEO bancários e sua corte de administradores. Cá por mim, sem experiência destas andanças e apenas com faro de leitor atento, sempre intui que o Banco de Portugal (o meu amigo Carlos Costa que me perdoe) estava a ser demasiado confiante “na informação disponível” para assegurar que o contágio das malfeitorias e imprevidências de gestão do GES e suas ramificações para o BES estava contido e que o Banco tinha almofada suficiente de recursos internos para acomodar tal exposição. Quando uma determinada organização, financeira ou não isso não importa, é dominada e se guia pelo “crony capitalism”, a base moral das decisões escapa seguramente a um regulador que se guia por critérios de decisão racional. Assim, não me espanta que, mesmo sob pressão de uma maior vigilância por parte da CMVM e perante prescrições específicas do regulador Banco de Portugal, a administração do BES se tenha aberto ao contágio do grupo não financeiro e à possibilidade do banco funcionar como reduto salvador da desagregação anunciada do grupo familiar, assumindo deliberadamente o incumprimento. Numa organização dominada pelos valores “crony”, a exposição é endógena, intestina e, em ambiente de desagregação e desmoronamento, a racionalidade é simplesmente a de tapar o furo mais imediato. Do que se conhece, e Daniel Deusdado tem no Jornal de Notícias uma boa crónica sobre o tema, o exemplo da triangulação BES-GES-Tranquilidade é inequívoco desta “racionalidade” em tempos de desmoronamento.
Toda esta trampa que salta de debaixo dos tapetes das salas de fino recorte conservador produz uma tragédia a que tendo a chamar a tragédia da morte das narrativas. Mas que narrativas?
Em primeiro lugar, um tiro de morte na narrativa da purga salvadora que teria sido a austeridade e na sustentabilidade e consistência do ânimo da recuperação económica que estaria a ocorrer, apesar dessa penosa austeridade. A exposição do sistema de PME nacionais aos meandros da tóxica ligação BES-GES é, por demais evidente, não só devido à profunda inserção do BES no mercado de crédito às PME, nas também devido ao facto de muitos dos empresários de PME estarem agora a arder com a má aplicação de fundos em produtos BES, fundos que foram extraídos à capitalização necessária dessas empresas. Aliás, não será por acaso que o ministro Pires de Lima tem andado tão caladinho. É penoso ver imagens passadas do antecessor de Pires de Lima, Álvaro Santos Pereira, a deliciar-se com o “primeiro grande projeto de investimento pós crise, o Comporta Dunes de 5 estrelas.
Em segundo lugar, a queda do GES e suas tramas de ligação ao BES é também a morte trágica da narrativa da modernização infraestrutural do País, tão apregoada pelo Governo de Sócrates e da qual o BES foi um grande aliado. A não sustentabilidade dessa modernização emerge agora de forma crua.
Quando o grande banco do regime se desmorona, é também o regime que é questionado.
Face ao que o estava oculto por debaixo dos tapetes da decisão executiva do BES (e que certamente nos vai continuar a surpreender), gostaria de conhecer agora o que continuam a pensar os que se agastaram com a justiça portuguesa por atacar os poderosos quando apenas se tornam fracos. Seria interessante ver um por um que tipo de relações diretas ou indiretas tais personalidades ou jornalistas tinham com o BES ou com o grupo Espírito Santo. O charme discreto da teia de interesses terá seduzido muita gente. Talvez fosse melhor focarem-se noutros centros de influência.

O DEBATE DO MÊS



Julho de 2014 ficará na história económica de Portugal como o mês do maior estouro de todos os tempos, o do GES/BES. Que a dada altura, ainda o desmoronamento ia no seu início, nos concedeu honras raríssimas de primeira página no “Financial Times” (primeira imagem acima). Desde então, as revelações foram sendo requintadamente afinadas dia após dia, em disparos imparáveis (segunda imagem acima) que culminaram ontem com os quase 3,6 mil milhões de buraco contabilizado para o banco no primeiro semestre deste ano. Mas o que ainda falta verdadeiramente apurar é a real dimensão do que está em causa e o grau preciso dos respetivos impactos sobre a economia nacional – e é esse o debate do mês que aqui elejo, algo premonitoriamente, já que o mesmo apenas se fez sentir através de uma presença algo tímida e difusa – com destaque para o governador Carlos Costa a atuar como lhe compete, designadamente aconselhando os portugueses a não incorrerem no erro de confundir o GES com o BES – enquanto o comum dos mortais se vai sentindo diariamente impelido a aumentar as suas reticências quanto a como não o fazer...

quarta-feira, 30 de julho de 2014

BRICS BANK



A complexa e atribulada problemática nacional do BES-GES sobrepôs-se ao comentário que seria necessário aqui produzir sobre a iniciativa dos chamados BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) desafiarem o universo de influência do Banco Mundial, criando um banco de desenvolvimento.
Dois quintos da população mundial, um terço do produto mundial (avaliado à paridade dos poderes de compra) e um quinto do comércio mundial justificam uma maior autonomia dos emergentes, embora a construção de uma estratégia entre estas cinco forças vá ser um projeto de grande complexidade, sobretudo no contexto atual das sanções a uma Rússia de duvidosas tentações.
Branco Milanovic, economista que já foi associado ao Banco Mundial e que é o investigador mais conceituado sobre as questões da distribuição do rendimento a nível mundial, dedica na AlJazeera América um excelente artigo de opinião sobre a iniciativa destes países.
Milanovic sublinha que só três grandes organizações internacionais escaparam à influência ocidental, o Comintern, o movimento dos não alinhados e a OPEP. O Brics Bank (designação de Milanovic) regressa a essa orientação, não deixando de refletir o estádio atual de reorganização da economia mundial. É cedo para avaliar se a iniciativa vai esgotar-se no lema “anti-Washington” ou se, pelo contrário, evoluirá no sentido de dotar o mundo em desenvolvimento de outras modalidades de financiamento que não sejam subordinadas ao ideário que o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional têm procurado disseminar. É um facto que o quadro de ideias e princípios que veicularam o chamado Consenso de Washington, hoje em farrapos, necessita em termos de princípios orientadores da economia mundial de uma outra alternativa e começa a haver matéria para iniciar essa tarefa. Será que o Brics Bank vai pautar-se por essa orientação ou resvalará para um estatuto de braço financeiro dos regimes políticos implantados naqueles países?
Não fazendo futurismo, o que poderá dizer-se é que se a sua implantação for concretizada nada será diferente no financiamento do desenvolvimento e será curioso monitorizar os seus efeitos na futura conduta do Banco Mundial.

PRODUTIVIDADE UK



Regressando ao tema da produtividade, anunciado no post anterior, e via Stumbling and Mumbling (um título delicioso, Tropeçando e Resmungando, para um blogue), eis que somos confrontados com a outra face do puzzle da produtividade, do lado de cá do Atlântico, neste caso do insular Reino Unido.
Também o Reino Unido apresenta uma recuperação económica com muito baixo ritmo de variação da produtividade, já aqui parcialmente explicado pelos baixos níveis salariais da recuperação britânica, sempre incentivadores de baixa inovação e consequente baixa produtividade. A comparação do Reino Unido com outros países revela bem esse gap e o próprio Banco de Inglaterra dedicou recentemente ao tema uma análise mais aprofundada:

O exercício do S&M é elementar mas precioso. Projetando para a economia do Reino Unido após 2010 um ritmo alternativo mais elevado de crescimento da produtividade (um pressuposto 2,3% ao ano) e um crescimento do PIB igual ao efetivamente observado, conclui-se que a massa de desemprego que tenderia contrafactualmente a observar-se no Reino Unido seria francamente mais elevado.
Assim sendo, o puzzle da produtividade nunca terá incomodado verdadeiramente o governo de Cameron e Osborne. De acordo com o S&M, tal puzzle é mais um presente para o referido governo e daí o silêncio oficial quanto a tal fenómeno.
Mas conviria o governo conservador não esquecer que um baixo ritmo de crescimento da produtividade quando interpretado a longo prazo não é de modo nenhum um presente divino ou acidental, mas antes um sério constrangimento.
Outros como o multimilionário mexicano Slim têm-se preocupado com outras soluções como por exemplo a semana dos 3 dias. Mas isso é matéria para outras conversas. Por agora, fica de novo a evidência, trazida pelo S&M, de que a ambivalência da produtividade no curto e no longo prazo não pode ser ignorada.

O QUE ELES APRENDERAM?


Já aqui abordei (post de 15 de maio de 2013) alguns tópicos provenientes da conferência que serviu de base ao livro que hoje recomendo, e que trouxe ainda quentinho da “Waterstones”. Comprovando de modo eloquente, como o António Figueiredo tem insistentemente sublinhado e demonstrado neste espaço, quão abissal é a diferença que existe entre o debate económico que se vai fazendo do lado de lá do Atlântico e a sua quase inexistência (ou dominância dogmática e crescente pauperização) deste nosso lado de cá. De facto, e em termos comparados, os norte-americanos não hesitam em ser parte de convívios teóricos amplamente plurais, não têm pruridos de arrogância em relação ao conhecimento e não revelam relutância em assumir a sua própria desconstrução e autocrítica – a fase atual do pós-crise financeira ainda não pode deixar de ser mais feita de conjeturas do que de certezas, mas só assim (num processo aberto de tentativa e erro) se conseguirá refazer ajustadamente uma nova agenda para a Economia...

terça-feira, 29 de julho de 2014

O INCIPIENTE CRESCIMENTO ECONÓMICO USA



Os economistas europeus e os portugueses em particular têm dedicado uma reduzida atenção ao incipiente crescimento económico americano não só como sequela da Grande Recessão de 2007-2008, mas também como facto de longo prazo.
E deveríamos prestar mais atenção a esse novo facto estilizado dos tempos mais recentes. Papagaios sobre o crescimento temos muitos, António José Seguro à frente de todos, mas não basta proclamar pela sua ocorrência, é necessário criar as condições para que ele aconteça. Ora, nesse sentido, compreender a debilidade do crescimento económico americano, com as devidas proporções e comparações com as economias europeias, parece ser um passo fundamental para antecipar as referidas e desejadas condições.
Os economistas americanos, com Larry Summers à cabeça, compreenderam-no e têm mantido o debate a um nível muito alto.
O The Economist da passada sexta-feira (link aqui) dedica-lhe a importância que o tema merece numa revista que, apesar do seu quadro ideológico que todos conhecemos, divulga e debate as grandes questões do nosso tempo.
O gráfico abaixo coloca a década atual em termos comparativamente penosos relativamente a outros tempos. E o que espanta é que a comparação é tão penosa em termos de ritmos de crescimento do emprego como o é em matéria de produtividade.

O comportamento da produtividade do trabalho deve ser analisado não só numa perspetiva do curto prazo mas também na perspetiva do tempo longo. No tempo longo, não podemos ignorar que é o crescimento da produtividade que potencia a melhoria do bem-estar material das populações, pressupondo que os seus ganhos são equitativamente repartidos entre os diferentes grupos sociais. A curto prazo, em tempos de desemprego massivo provocado por queda da produção e da procura globais, um aumento de produtividade muito elevado é mau amigo do desemprego, porque o intensifica. Já quando o desemprego tende a aproximar-se dos níveis chamados naturais, uma baixa produtividade é fortemente penalizadora do futuro.
Com a economia americana, embora lentamente, a recuperar os ritmos de criação de emprego e as estimativas do produto potencial máximo a serem sistematicamente revistas em baixa (ver gráfico abaixo), a produtividade parece ser o coração ou pelo menos um dos focos do problema e da chamada estagnação secular.

Mas se assim é, então teremos de voltar ao tema do progresso técnico e aí o material não faltará para futuros posts, ainda que ao ritmo de férias.