Como já aqui ontem sublinhei o debate das
autonomias está de novo ao rubro na vizinha Espanha, não só por conta da questão
catalã, cada vez mais acesa, mas também porque o Estado espanhol tarda em
estabilizar a questão do financiamento público às autonomias, difícil de o
conseguir tal é a heterogeneidade dos estádios de descentralização e do
potencial económico das regiões espanholas.
Para acirrar os ânimos acaba de ser publicado o
novo Sistema de Cuentas Públicas Territorializadas, o qual permite entre outras
utilizações calcular o saldo fiscal de cada região com a Administração Central
(AC), que representa em termos muito sumários a diferença entre o que os
residentes de uma dada região recebem da AC e os impostos que pagam para a
financiar.
O problema é que este saldo fiscal é
frequentemente utilizado como medida (errónea) da justiça fiscal que incide
sobre as regiões.
Angel de la Fuente, um dos autores do novo
sistema de contas públicas territorializadas publica hoje no El País (link aqui) um artigo
precioso sobre o caráter incendiário da utilização do saldo fiscal como critério
de justiça fiscal, mostrando como os referidos números devem ser trabalhados
para recentrar o debate em vez de o incendiar.
O autor precisa com rigor que o saldo fiscal é
uma mistura demasiado heterogénea de receitas fiscais e despesas públicas atribuídas
a um determinado território. Neste último grupo das despesas, a heterogeneidade
é manifesta porque integra coisas como a despesa pública em bens públicos puros
como a defesa ou as relações internacionais (que beneficiam todos os cidadãos
independentemente da sua residência), subsídios e outras prestações de
desemprego, pensões, infraestruturas, financiamento das administrações territoriais
e toda uma vasta gama de outras rubricas de despesa. E o que importa assinalar é
que essa gama integra despesas que têm uma lógica de distribuição territorial e
outras cuja repartição é meramente individual ou setorial, por isso não
interessando para aferir da chamada justiça espacial.
Por isso, os números do saldo fiscal que constam
da imagem que abre este post representam uma aproximação demasiado imperfeita para
focar o debate da justiça fiscal autonómica. De la Fuente mostra que dos saldos
calculados, 2/3 têm uma explicação muito simples: nos territórios mais ricos
pagam-se naturalmente mais impostos per capita. Apenas 1/3 desse saldo se
explica pela distribuição espacial do gasto público.
Citando:
“O volume agregado dos saldos fiscais gerados pelas
rubricas cuja distribuição é potencialmente questionável do ponto de vista da
equidade é aproximadamente de 11.400 milhões de euros, de que mais de metade
resulta da repartição desigual do financiamento autonómico. Pelo que estamos a
falar , no máximo, de reafectar de forma mais razoável o equivalente a 1,1% do
PIB nacional, o que não representa tarefa impossível. Mas conviria iniciá-la
quanto mais cedo melhor”.
Assim sendo, os 8.455 milhões de euros de saldo
negativo da Catalunha relativamente à AC espanhola (-4.35% PIB catalão e -1.119
euros per capita), que insinuam subfinanciamento da região Catalã não deveria
incendiar o debate porque não constitui medida rigorosa da eventual falta de
justiça fiscal de que se queixam os políticos da Catalunha. Resta entretanto
saber se os ânimos e as condições políticas permitirão que os argumentos de De
la Fuente se sobreponham ao debate incendiário. E aqui não estou nada otimista.
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