quinta-feira, 24 de julho de 2014

AUTONOMIAS E JUSTIÇA ESPACIAL



Como já aqui ontem sublinhei o debate das autonomias está de novo ao rubro na vizinha Espanha, não só por conta da questão catalã, cada vez mais acesa, mas também porque o Estado espanhol tarda em estabilizar a questão do financiamento público às autonomias, difícil de o conseguir tal é a heterogeneidade dos estádios de descentralização e do potencial económico das regiões espanholas.
Para acirrar os ânimos acaba de ser publicado o novo Sistema de Cuentas Públicas Territorializadas, o qual permite entre outras utilizações calcular o saldo fiscal de cada região com a Administração Central (AC), que representa em termos muito sumários a diferença entre o que os residentes de uma dada região recebem da AC e os impostos que pagam para a financiar.
O problema é que este saldo fiscal é frequentemente utilizado como medida (errónea) da justiça fiscal que incide sobre as regiões.
Angel de la Fuente, um dos autores do novo sistema de contas públicas territorializadas publica hoje no El País (link aqui) um artigo precioso sobre o caráter incendiário da utilização do saldo fiscal como critério de justiça fiscal, mostrando como os referidos números devem ser trabalhados para recentrar o debate em vez de o incendiar.
O autor precisa com rigor que o saldo fiscal é uma mistura demasiado heterogénea de receitas fiscais e despesas públicas atribuídas a um determinado território. Neste último grupo das despesas, a heterogeneidade é manifesta porque integra coisas como a despesa pública em bens públicos puros como a defesa ou as relações internacionais (que beneficiam todos os cidadãos independentemente da sua residência), subsídios e outras prestações de desemprego, pensões, infraestruturas, financiamento das administrações territoriais e toda uma vasta gama de outras rubricas de despesa. E o que importa assinalar é que essa gama integra despesas que têm uma lógica de distribuição territorial e outras cuja repartição é meramente individual ou setorial, por isso não interessando para aferir da chamada justiça espacial.
Por isso, os números do saldo fiscal que constam da imagem que abre este post representam uma aproximação demasiado imperfeita para focar o debate da justiça fiscal autonómica. De la Fuente mostra que dos saldos calculados, 2/3 têm uma explicação muito simples: nos territórios mais ricos pagam-se naturalmente mais impostos per capita. Apenas 1/3 desse saldo se explica pela distribuição espacial do gasto público.
Citando:
“O volume agregado dos saldos fiscais gerados pelas rubricas cuja distribuição é potencialmente questionável do ponto de vista da equidade é aproximadamente de 11.400 milhões de euros, de que mais de metade resulta da repartição desigual do financiamento autonómico. Pelo que estamos a falar , no máximo, de reafectar de forma mais razoável o equivalente a 1,1% do PIB nacional, o que não representa tarefa impossível. Mas conviria iniciá-la quanto mais cedo melhor”.
Assim sendo, os 8.455 milhões de euros de saldo negativo da Catalunha relativamente à AC espanhola (-4.35% PIB catalão e -1.119 euros per capita), que insinuam subfinanciamento da região Catalã não deveria incendiar o debate porque não constitui medida rigorosa da eventual falta de justiça fiscal de que se queixam os políticos da Catalunha. Resta entretanto saber se os ânimos e as condições políticas permitirão que os argumentos de De la Fuente se sobreponham ao debate incendiário. E aqui não estou nada otimista.

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