terça-feira, 8 de julho de 2014

NO DESERTO

(António Fraguas Forges, http://elpais.com)

Vasco Pulido Valente (VPV) será, provavelmente, o melhor colunista português. Apesar de certos ódios pessoais que não consegue disfarçar e de alguns enviesamentos analíticos e posicionais – que por vezes o levam a afirmações infundadas ou inaceitáveis –, apesar dos humores cíclicos que também se vai permitindo exibir, apesar do pessimismo crónico que se lhe conhece – o qual, diga-se de passagem, não constitui necessariamente um defeito. Porque, e apesar de tudo isso, VPV é um homem culto, escreve em ótimo português – o que já de si é cada vez mais raro! – e possui um notável dom: a destreza com que arruma em duas finas penadas qualquer assunto ou personagem sobre que se decida focar com seriedade.

Foi a meu ver o caso do primeiro dos seus habituais três artigos no “Público” do fim de semana, de cujo título aqui me aproprio com a devida vénia. Um texto pessimista q.b., como parece ser cada vez mais justificável nas nossas atuais e infelizes condições e circunstâncias. Veja-se o diagnóstico, enxuto e liminar: “A extrema-esquerda, para efeitos práticos, não existe. O PS, em guerra civil, não inspira confiança a ninguém: Seguro e Costa, com ligeiras variantes de tom, propõem a mesma receita utópica de salvação. O PSD e o CDS falharam e o Tribunal Constitucional não se irá embora amanhã. O Presidente da República, reduzido a pregar o entendimento e o ‘consenso’ a uma multidão política que se odeia, e a um eleitorado na miséria, não serve para nada. Pouco a pouco, o país foi ficando ingovernável, no meio da resignação pública e privada. E não se imagina nenhuma força, ou conjunto de forças, capaz de restabelecer uma ordem e um desígnio.”

E, depois, a sentença, direta e inapelável: “Isto não teria grande importância em tempos normais. Mas sucede que os problemas de Portugal não se resolveram com o programa de ‘ajustamento’, que se limitou a um exercício contabilístico e recuou perante as verdadeiras reformas. Nem o desgraçado défice se ‘consolidou’ abaixo do que a Europa manda, nem a dívida diminuiu, nem o ‘crescimento’ e o ‘pleno emprego’ saíram miraculosamente da cabeça de Passos Coelho. Voltámos, depois de muita gritaria e autêntica pobreza, à situação de 2010-2011. Com algumas diferenças. O tal ‘povo que aguenta tudo’ não aguentará uma nova dose de ‘austeridade’. A direita e o dr. Cavaco, que em 2011 eram de certa maneira um recurso, perderam a confiança e o respeito dos portugueses. No deserto de hoje o mínimo solavanco sério é a porta para um desastre como nunca antes conhecemos.” E é que às tantas...

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