sábado, 26 de julho de 2014

AVARIAS MAGIARES EM MANTO DE BRUXELAS

(Marian Kamensky, http://www.toonpool.com)

(Marian Kamensky, http://www.toonpool.com)

Tenho em mim uma espécie de barómetro que, quando o ponteiro atinge um determinado nível, dispara o sinal de alarme. É então que qualquer saída, qualquer abandono das rotinas, qualquer variação em relação aos lugares costumeiros, qualquer mudança de ares me cai como uma espécie de benção. Claro que há viagens mais curtas ou mais longas, momentos mais ou menos propícios, situações de maior ou menor necessidade pessoal, locais de culto ou destinos relativamente vulgares, mas o certo é que deixo de resistir à conjugação do verbo ir.

Bruxelas é, neste quadro, um caso especial porque são já muitíssimos os anos de visitas recorrentes, pelas mais diversas motivações, a tal paragem. Sendo que o interessante decorre do facto de – volta obrigatória pelas livrarias à parte – cada vez ser invariavelmente diferente das anteriores, de em cada vez nunca deixar de haver algo de novo e distintivo, seja por via de uma exposição, de um concerto, de uma conferência, de um jantar, de uma receção, de uma conversa, de uma pessoa.

Desta vez, e para além do novo poiso e de algumas revelações em improváveis “esquinas falantes” (como as das ininterruptas movimentações nacionais em torno dos lugares europeus por preencher ou as de que provavelmente teremos Albuquerque na Comissão e Moedas nas Finanças ou a de que Costa vencerá o PS com boa folga), o melhor terá estado no fresco daquelas simpáticas esplanadas da Place du Luxembourg que tanto ajudam a suportar os excessos da Bruxelas estival. Mas também apreciei aquela passagem notívaga pelo bar do Xavier, o Désolé, e aquele jantar a seis em que – após a despedida do conhecidíssimo embaixador francês Philippe Étienne (esperemos pelas suas memórias, seguramente excitantes!) – um jovem eurocrata húngaro com origens sérvias brindou os restantes comensais com múltiplas curiosidades provenientes do seu conhecimento pormenorizado daquela tão historicamente rica e complexa região oriental da Europa e com alguns incríveis episódios que vivenciou ou lhe são próximos.

E acreditem que é arrepiante ouvir falar dos desmandos e desvarios em curso na Hungria de Viktor Orbán. Ou nos seus derivados reflexos bruxelenses, como pontualmente evidenciam os casos daquela ex-eurodeputada cuja família foi repentinamente tomada pelo desemprego ou daquele ex-embaixador junto da União que teve agora de se contentar com um modesto lugar de assistente de um eurodeputado eleito. Uma deriva em que as inqualificáveis mudança constitucional e da lei da imprensa mais não foram do que a face institucionalmente mais marcante de um regime populista ferozmente descontrolado que interfere quotidianamente no mais ínfimo dos detalhes da liberdade pessoal e profissional dos cidadãos, com a agravante das terríveis situações que vão sendo criadas a diversas minorias étnicas fronteiriças. Na União Europeia, Orbán comporta-se em consonante conformidade: saca o que pode em termos de fundos mas não deixa de falar e agir como um eurocético primário nas diferentes instâncias e dossiês (a sua última provocação foi a decisão de votar contra a escolha de Juncker, acompanhando isoladamente o special case de Cameron), prosseguindo ainda uma aproximação objetiva em relação aos interesses estratégicos da Rússia. Assim, e apesar de tudo quanto de contraditório vai marcando sucessivas opções do PPE ao longo dos anos, não se consegue vislumbrar o que poderá estar a levar os responsáveis da direita democrática europeia a pactuarem e cobrirem derivas cuja perigosidade é já absolutamente indesmentível…

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