terça-feira, 22 de julho de 2014

O “DONO DISTO TUDO”


O texto “O Fim de um Regime”, assinado por Pedro Santos Guerreiro (PSG) na Revista do “Expresso” deste fim de semana, é uma peça jornalística de excelente qualidade, como aliás vem acontecendo por norma e de há anos a esta parte com os escritos do citado profissional (até há pouco no “Jornal de Negócios” e, mais recentemente, no “Expresso”).

Sintetiza assim PSG a sua ideia central: “Ricardo Salgado acaba mal e acaba só. O grande banqueiro era afinal péssimo gestor, arruinou um grupo familiar de 145 anos e saiu expulso do BES. Mas não há vazio de poder: quem dominará agora? Quem vai ser o Dono Disto Tudo? Este texto propõe uma resposta.”

Perdoar-me-á o autor que daqui lhe aponte aqueles que serão, a meu ver, dois enviesamentos do seu raciocínio e pressupostos. Um, o menor, tem a ver com a figura de Ricardo Salgado (RS), alguém que, independentemente das ilegalidades pessoalmente cometidas ou de que terá sido mandante ou responsável objetivo (matérias para outras sedes), foi sobretudo a vítima de um sistema, de um país, de uma economia e de uma família. Não, não pretendo minimamente limpar a imagem ou branquear os erros de RS, mas quero sublinhar a teia familiar verdadeiramente inacreditável, de caduca e incompetente, que o envolvia e ainda que ele era um dos melhor preparados e certamente o mais trabalhador de toda aquela malta; sendo que o que viso sobretudo é repor no âmago da questão o que realmente releva do seu cerne e que PSG até aflora de passagem quando cita Paulo Morgado e o “jogo de micado” com que descreve o poder em Portugal como assentando num sistema de interdependências em rede. 

O outro enviesamento, o maior diria eu, está na sua pergunta – “Quem pode assumir as rédeas do poder?” –, que deixa subentendido que era Ricardo quem as assumia (o tal “Dono Disto Tudo”, que ele finalmente não era tanto assim), e na respetiva resposta – “o credor estrangeiro” a que às vezes chamam mercados. Porque o que falta a PSG é uma visão menos conjunturalmente marcada e mais estruturalmente distanciada, uma visão capaz de sublinhar e valorizar devidamente que o poder a que se refere é um poder secundário (ou até terciário ou quaternário) e em larga medida resultante das comissões e migalhas periodicamente autorizadas ao capitalismo dependente e periférico e seus agentes mais representativos.

Neste quadro, o excerto acima reproduzido apenas serve para confirmar o óbvio: a maioria das nossas grandes e mais emblemáticas empresas são hoje chinesas, angolanas, brasileiras ou de quem as agarrar e isso é assim porque esse é o papel a que lhes cabe aspirar na atual fase e configuração da economia mundial em que o essencial da riqueza a criar e acumular não passa por estas paragens e em que ainda podemos ser de alguma serventia para aquelas potências emergentes. Não será mais esta a dura realidade?

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