(Casal brasileiro que viveu e se conheceu no Maracanazo, a derrota de 50 com o Uruguai)
“Depois da hora radiosa a hora dura do esporte, sem a
qual não há prémio que conforte, pois perder é tocar alguma coisa além da vitória,
é encontrar-se naquele ponto onde tudo começa a nascer do perdido, lentamente”.
Excerto de Carlos Drummond
de Andrade citado por Tostão, médico e futebolista de eleição, na sua crónica na Folha de S. Paulo.
Podem os nossos fiéis leitores (bem hajam)
lamentar-se que estamos a abusar do futebol e das peripécias da Copa 2014
colocando-as num lugar de destaque no confronto do público e do privado. Mas os
dois autores gostam mesmo do futebol e têm prazer nesta visão suficientemente
distanciada, mas de quando em vez com a ponta de emoção e arrebatamento que só uma
“torcida” pode manifestar.
Passando os olhos pelo vastíssimo material da
desolação brasileira e ainda com os cerca de trinta minutos de perda total de
referências e de orientação da equipa brasileira na retina, ocorre-me aquela
velha tentação das metáforas do futebol e das nações e algumas estão bem
frescas com os acontecimentos de ontem. Podem dizer-me que lá vem este
misturando alhos e bugalhos, elaborando sobre dois mundos aparentemente
dissonantes. Mas não são os teóricos do futebol que podem ser recriminados. São
os decisores políticos e os homens do marketing que fazem do futebol e dos eventos
desta natureza um desígnio nacional e a Copa 2014 não fugiu à regra. Por cá, até
ousaram colocar Paulo Bento numa pose à Infante D. Henrique, perscrutando o
futuro, sondando o além dos nossos antepassados.
Mas voltando ao pérfido (para o povão, sequioso
de uma alegria) jogo de ontem, duas metáforas de nação perfilam-se, sobretudo
uma, pois a outra tem algumas nuances de mudança que importa considerar.
Por muito que a tente afastar, perdoem-me os meus
amigos brasileiros mas aquela seleção é uma metáfora do Brasil contemporâneo e
já não me projeto na espécie de maldição de De Gaulle quando referia que o
Brasil é e será sempre uma eterna promessa. Uma nação com pontas de inventiva
deliciosa de que a língua constitui a manifestação mais radiosa, uma nação com
talento individual de tanta gente (hoje fui acordado para o génio poético e
literário de Haroldo de Campos pela Antena 2), uma nação com falsa modernidade,
pois parece despontar mas tarda em consolidar-se, uma nação em que a organização
coletiva tarda a não aparecer, uma nação ainda com resquícios de inércia do
tempo passado e falso profissionalismo, uma nação supersticiosa, uma nação que
subvaloriza por vezes o adversário ou o concorrente contando com a sua dimensão
para resolver muita coisa. Por muito que queira afastar de mim este cálice,
vejo na seleção brasileira e na liderança de Felipão muito destas metáforas,
por muito circunstancial e não repetível que o descalabro se apresente. Acredito
que é das derrotas que se constroem trajetórias alternativas e por isso
acredito que a humilhação de ontem permita construir algo de novo. Também intuo
que a permanência excessiva no poder acaba por determinar alguma degenerescência
e provavelmente Dilma terá tido no descalabro de ontem uma espécie de visão dos
falsos arranques para a modernidade.
Em contraponto, e por muito que a tentemos também
afastar, a seleção alemã é também uma metáfora (já transformada e em evolução)
da própria Alemanha. A não subvalorização do adversário mas antes o seu estudo
sistemático, o equilíbrio entre o génio e a organização coletiva, a inteligência
na força. A nuance está na intuição de que talvez a seleção alemã seja já uma
metáfora da Alemanha em transformação.
Veremos se o Argentina – Holanda de hoje me dá
inspiração para mais algumas metáforas.
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