quarta-feira, 9 de julho de 2014

DAS NAÇÕES E DO FUTEBOL OU A TENTAÇÃO DAS METÁFORAS

(Casal brasileiro que viveu e se conheceu no Maracanazo, a derrota de 50 com o Uruguai)


“Depois da hora radiosa a hora dura do esporte, sem a qual não há prémio que conforte, pois perder é tocar alguma coisa além da vitória, é encontrar-se naquele ponto onde tudo começa a nascer do perdido, lentamente”.
Excerto de Carlos Drummond de Andrade citado por Tostão, médico e futebolista de eleição, na sua crónica na Folha de S. Paulo.
Podem os nossos fiéis leitores (bem hajam) lamentar-se que estamos a abusar do futebol e das peripécias da Copa 2014 colocando-as num lugar de destaque no confronto do público e do privado. Mas os dois autores gostam mesmo do futebol e têm prazer nesta visão suficientemente distanciada, mas de quando em vez com a ponta de emoção e arrebatamento que só uma “torcida” pode manifestar.
Passando os olhos pelo vastíssimo material da desolação brasileira e ainda com os cerca de trinta minutos de perda total de referências e de orientação da equipa brasileira na retina, ocorre-me aquela velha tentação das metáforas do futebol e das nações e algumas estão bem frescas com os acontecimentos de ontem. Podem dizer-me que lá vem este misturando alhos e bugalhos, elaborando sobre dois mundos aparentemente dissonantes. Mas não são os teóricos do futebol que podem ser recriminados. São os decisores políticos e os homens do marketing que fazem do futebol e dos eventos desta natureza um desígnio nacional e a Copa 2014 não fugiu à regra. Por cá, até ousaram colocar Paulo Bento numa pose à Infante D. Henrique, perscrutando o futuro, sondando o além dos nossos antepassados.
Mas voltando ao pérfido (para o povão, sequioso de uma alegria) jogo de ontem, duas metáforas de nação perfilam-se, sobretudo uma, pois a outra tem algumas nuances de mudança que importa considerar.
Por muito que a tente afastar, perdoem-me os meus amigos brasileiros mas aquela seleção é uma metáfora do Brasil contemporâneo e já não me projeto na espécie de maldição de De Gaulle quando referia que o Brasil é e será sempre uma eterna promessa. Uma nação com pontas de inventiva deliciosa de que a língua constitui a manifestação mais radiosa, uma nação com talento individual de tanta gente (hoje fui acordado para o génio poético e literário de Haroldo de Campos pela Antena 2), uma nação com falsa modernidade, pois parece despontar mas tarda em consolidar-se, uma nação em que a organização coletiva tarda a não aparecer, uma nação ainda com resquícios de inércia do tempo passado e falso profissionalismo, uma nação supersticiosa, uma nação que subvaloriza por vezes o adversário ou o concorrente contando com a sua dimensão para resolver muita coisa. Por muito que queira afastar de mim este cálice, vejo na seleção brasileira e na liderança de Felipão muito destas metáforas, por muito circunstancial e não repetível que o descalabro se apresente. Acredito que é das derrotas que se constroem trajetórias alternativas e por isso acredito que a humilhação de ontem permita construir algo de novo. Também intuo que a permanência excessiva no poder acaba por determinar alguma degenerescência e provavelmente Dilma terá tido no descalabro de ontem uma espécie de visão dos falsos arranques para a modernidade.
Em contraponto, e por muito que a tentemos também afastar, a seleção alemã é também uma metáfora (já transformada e em evolução) da própria Alemanha. A não subvalorização do adversário mas antes o seu estudo sistemático, o equilíbrio entre o génio e a organização coletiva, a inteligência na força. A nuance está na intuição de que talvez a seleção alemã seja já uma metáfora da Alemanha em transformação.
Veremos se o Argentina – Holanda de hoje me dá inspiração para mais algumas metáforas.

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