terça-feira, 8 de julho de 2014

O ENIGMA JAPONÊS



A economia japonesa tem sido fértil nos últimos vinte anos em enigmas, puzzles ou outras interrogações, regra geral concebidas em proporção inversa ao desconhecimento que os economistas de mainstream evidenciam para as compreender.
Foi assim nos anos 90, em que a estagnação prolongada e deflacionária em que a economia japonesa esteve mergulhada, gerando uma situação bem típica de armadilha na liquidez, bem avisou os economistas ocidentais que Keynes não se tinha evaporado da macroeconomia. Tais avisos não foram na época compreendidos, salvo raras exceções, Krugman à cabeça, sobretudo porque então corria bem forte uma convicção, a de que o ciclo económico tinha praticamente desaparecido pelo menos sob o tipo de recessões severas e que a experiência das políticas monetárias dos bancos centrais tinha ultrapassado essas dificuldades.
A chamada Abeconomics, designação inspirada no nome do seu primeiro-ministro, constituiu um desses enigmas mais recentes, pois Banco Central e governo japonês uniram-se numa onda decidida de estímulo à economia, que contrastava com o aperto fiscal (ou pelo menos com incipientes estímulos) da maioria das economias do G7.
O blogue Liberty Street Economics do Federal Reserve Bank of New York (é impressionante a qualidade da pesquisa económica que se faz nos departamentos de estudos dos bancos que integram o FED (Atlanta, St. Louis e Nova Iorque, por exemplo) traz-nos esta semana um outro enigma sobre a economia japonesa, sobre o qual vale a pena meditar um pouco.
O paradoxo está no facto de, desde 2011, o Japão ter praticado uma significativa desvalorização  do Yen, estimada em 30% pelos autores do contributo (Mary Amiti, Oleg Itskhoki e Jozef Konings) e, contrariamente ao esperado, as exportações de bens e serviços não terem disparado, antes terem caído cerca de 0,6%, segundo os mesmos autores e para o mesmo período.
O enigma vale o que vale, mas ajuda a compreender quão leviana é, frequentemente, a displicência com que se estima que uma desvalorização da moeda, para quem a pode praticar, faz disparar a competitividade e as exportações. Como é óbvio, uma desvalorização por si só não inverte um clima de retração da procura mundial, como aquele que foi observado no período a que corresponde o exercício. Mas os autores avançam com uma explicação interessante, que vai além dos fatores que regra geral se tende a identificar como podendo refrear o impacto positivo da desvalorização sobre as exportações. Entre estes, é conhecida a evidência de que esse impacto depende das exportações serem concretizadas em preços da moeda que se desvaloriza (neste caso o yen) ou, pelo contrário, noutras moedas como o dólar, que podem ser rígidos. Nestes casos, o impacto da desvalorização produz–se mais nas margens dos exportadores e menos nos preços, podendo no limite não gerar qualquer efeito sobre as exportações.
O argumento novo dos três autores é a de que pode também observar-se um fraco efeito de transmissão da desvalorização sobre as exportações, quando os países fortemente exportadores que a praticam são também grandes importadores. O efeito da desvalorização, penalizando os custos das importações, pode afetar os custos marginais de exportadores e com isso penalizar a própria exportação.
Como é óbvio o Japão não é uma economia qualquer e a extensão do argumento a outras economias exige mais evidência empírica.
Mas conviria evitar a leviandade do costume quando se associa a uma desvalorização um impacto imediato e positivo sobre as exportações. Afinal, alguns teoremas da economia internacional não são para deitar fora.
Melhor literacia económica, por favor.

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