A economia japonesa tem sido fértil nos últimos
vinte anos em enigmas, puzzles ou outras interrogações, regra geral concebidas
em proporção inversa ao desconhecimento que os economistas de mainstream evidenciam
para as compreender.
Foi assim nos anos 90, em que a estagnação
prolongada e deflacionária em que a economia japonesa esteve mergulhada,
gerando uma situação bem típica de armadilha na liquidez, bem avisou os
economistas ocidentais que Keynes não se tinha evaporado da macroeconomia. Tais
avisos não foram na época compreendidos, salvo raras exceções, Krugman à
cabeça, sobretudo porque então corria bem forte uma convicção, a de que o ciclo
económico tinha praticamente desaparecido pelo menos sob o tipo de recessões
severas e que a experiência das políticas monetárias dos bancos centrais tinha
ultrapassado essas dificuldades.
A chamada Abeconomics, designação inspirada no
nome do seu primeiro-ministro, constituiu um desses enigmas mais recentes, pois
Banco Central e governo japonês uniram-se numa onda decidida de estímulo à
economia, que contrastava com o aperto fiscal (ou pelo menos com incipientes estímulos)
da maioria das economias do G7.
O blogue Liberty Street Economics do Federal Reserve Bank of New York (é impressionante a qualidade da pesquisa económica que se
faz nos departamentos de estudos dos bancos que integram o FED (Atlanta, St. Louis
e Nova Iorque, por exemplo) traz-nos esta semana um outro enigma sobre a
economia japonesa, sobre o qual vale a pena meditar um pouco.
O paradoxo está no facto de, desde 2011, o Japão
ter praticado uma significativa desvalorização
do Yen, estimada em 30% pelos autores do contributo (Mary Amiti, Oleg
Itskhoki e Jozef Konings) e, contrariamente ao esperado, as exportações de bens
e serviços não terem disparado, antes terem caído cerca de 0,6%, segundo os
mesmos autores e para o mesmo período.
O enigma vale o que vale, mas ajuda a compreender
quão leviana é, frequentemente, a displicência com que se estima que uma
desvalorização da moeda, para quem a pode praticar, faz disparar a
competitividade e as exportações. Como é óbvio, uma desvalorização por si só não
inverte um clima de retração da procura mundial, como aquele que foi observado
no período a que corresponde o exercício. Mas os autores avançam com uma
explicação interessante, que vai além dos fatores que regra geral se tende a
identificar como podendo refrear o impacto positivo da desvalorização sobre as
exportações. Entre estes, é conhecida a evidência de que esse impacto depende
das exportações serem concretizadas em preços da moeda que se desvaloriza
(neste caso o yen) ou, pelo contrário, noutras moedas como o dólar, que podem
ser rígidos. Nestes casos, o impacto da desvalorização produz–se mais nas
margens dos exportadores e menos nos preços, podendo no limite não gerar
qualquer efeito sobre as exportações.
O argumento novo dos três autores é a de que pode
também observar-se um fraco efeito de transmissão da desvalorização sobre as
exportações, quando os países fortemente exportadores que a praticam são também
grandes importadores. O efeito da desvalorização, penalizando os custos das
importações, pode afetar os custos marginais de exportadores e com isso penalizar
a própria exportação.
Como é óbvio o Japão não é uma economia qualquer
e a extensão do argumento a outras economias exige mais evidência empírica.
Mas conviria evitar a leviandade do costume quando
se associa a uma desvalorização um impacto imediato e positivo sobre as
exportações. Afinal, alguns teoremas da economia internacional não são para
deitar fora.
Melhor literacia económica, por favor.
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