Já aqui tenho salientado a surpresa que têm
constituído nos últimos tempos as crónicas de João Miguel Tavares no Público. Incisivo,
desassombrado nos temas que escolhe e ideias que apresenta, as referidas crónicas
têm disseminado uma imagem de JMT bem mais interessante do que a que decorre do
Governo Sombra.
A sua última crónica pode representar para alguns
uma exploração de fait-divers sem qualquer
importância para o esclarecimento do caso subjacente, o problema do BES, não tão
pouco sistémico como o querem fazer pintar.
Para mim, afastado dos círculos lisboetas e de
alguma imprensa de costumes mundanos, a crónica de JMT foi muito informativa e
entra no que designo de interstícios familiares, cruciais para se compreender e
contextualizar algumas notícias e factos da vida urbana portuguesa.
As personalidades em foco na crónica de JMT são
Miguel Sousa Tavares (MST) e Marcelo Rebelo de Sousa (MRS). Tenho de confessar
que para a minha ignorância destes mundos a associação possível entre aqueles
nomes e o BES parecia-me à primeira vista um conjunto vazio. Mas pelos vistos não.
Segundo a crónica de JMT, Ricardo Salgado é sogro de uma das filhas de MST e a
companheira de sempre de MRS, Rita Amaral Cabral, é ainda administradora não
executiva do BES e foi entre 2008 e 2012 membro da Comissão de Vencimentos do
banco.
As aludidas ligações valem o que valem, não lhes
atribuo importância de maior (não é que a posição de MRS quanto à situação do
banco não seja tão bondosa que com estes elementos talvez mereça uma outra atenção),
mas o que me interessa é o que elas representam de uma rede de interstícios
familiares que explicará, para uma pequena sociedade como a nossa, a falta de
escrutínio público da situação do BES, não coisa pequena, pois atinge um banco
que se manifestou em devido tempo como força maior na queda de um governo e está
no coração do “crony capitalism”
(capitalismo de compadrio) à portuguesa.
A ausência deste escrutínio explica, por exemplo,
o silêncio da comunicação social portuguesa quanto ao projeto COMPORTA e ao que
ele representa de enclave no seio de um concelho litoral do Alentejo litoral e
se bem me lembra até Portugal se envolveu numa candidatura perdida a um evento
de golfe de grandes proporções.
E por isso vale a pena seguir os desenvolvimentos
futuros da odisseia do BES e da família Espírito Santo. Um “crony capitalism”, mesmo à portuguesa, não
se dissolve ou desagrega com facilidade, talvez antes se transforme em busca de
novas alianças, novos casamentos, parcerias ou projetos salvadores. Talvez
valha a pena seguir com mais atenção revistas cor-de-rosa e mundanas. As evidências
já não são o que eram e assumem formas inesperadas.
Imagino, entretanto, as pressões que se terão
abatido nos últimos tempos sobre o meu amigo Carlos Costa, Governador do Banco
de Portugal.
Para memória futura.
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