terça-feira, 1 de julho de 2014

INTERSTÍCIOS FAMILIARES



Já aqui tenho salientado a surpresa que têm constituído nos últimos tempos as crónicas de João Miguel Tavares no Público. Incisivo, desassombrado nos temas que escolhe e ideias que apresenta, as referidas crónicas têm disseminado uma imagem de JMT bem mais interessante do que a que decorre do Governo Sombra.
A sua última crónica pode representar para alguns uma exploração de fait-divers sem qualquer importância para o esclarecimento do caso subjacente, o problema do BES, não tão pouco sistémico como o querem fazer pintar.
Para mim, afastado dos círculos lisboetas e de alguma imprensa de costumes mundanos, a crónica de JMT foi muito informativa e entra no que designo de interstícios familiares, cruciais para se compreender e contextualizar algumas notícias e factos da vida urbana portuguesa.
As personalidades em foco na crónica de JMT são Miguel Sousa Tavares (MST) e Marcelo Rebelo de Sousa (MRS). Tenho de confessar que para a minha ignorância destes mundos a associação possível entre aqueles nomes e o BES parecia-me à primeira vista um conjunto vazio. Mas pelos vistos não. Segundo a crónica de JMT, Ricardo Salgado é sogro de uma das filhas de MST e a companheira de sempre de MRS, Rita Amaral Cabral, é ainda administradora não executiva do BES e foi entre 2008 e 2012 membro da Comissão de Vencimentos do banco.
As aludidas ligações valem o que valem, não lhes atribuo importância de maior (não é que a posição de MRS quanto à situação do banco não seja tão bondosa que com estes elementos talvez mereça uma outra atenção), mas o que me interessa é o que elas representam de uma rede de interstícios familiares que explicará, para uma pequena sociedade como a nossa, a falta de escrutínio público da situação do BES, não coisa pequena, pois atinge um banco que se manifestou em devido tempo como força maior na queda de um governo e está no coração do “crony capitalism” (capitalismo de compadrio) à portuguesa.
A ausência deste escrutínio explica, por exemplo, o silêncio da comunicação social portuguesa quanto ao projeto COMPORTA e ao que ele representa de enclave no seio de um concelho litoral do Alentejo litoral e se bem me lembra até Portugal se envolveu numa candidatura perdida a um evento de golfe de grandes proporções.
E por isso vale a pena seguir os desenvolvimentos futuros da odisseia do BES e da família Espírito Santo. Um “crony capitalism”, mesmo à portuguesa, não se dissolve ou desagrega com facilidade, talvez antes se transforme em busca de novas alianças, novos casamentos, parcerias ou projetos salvadores. Talvez valha a pena seguir com mais atenção revistas cor-de-rosa e mundanas. As evidências já não são o que eram e assumem formas inesperadas.
Imagino, entretanto, as pressões que se terão abatido nos últimos tempos sobre o meu amigo Carlos Costa, Governador do Banco de Portugal.
Para memória futura.

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