A crónica regular de Juan José Millás no
suplemento do El País de domingo é de
leitura obrigatória e faz parte dos meus rituais de fim-de-semana. Trata-se de
um texto curto focado numa imagem.
A crónica deste domingo é uma preciosidade e
merece citação completa:
Só temos de observar o rosto do senhor da esquerda, filho
da senhora da direita, para pressentir que está a passar mal, muito mal. Perdeu
os seus melhores anos em fantasias loucas, como a de converter-se no tampax da
sua noiva de então, Camilla Parker Bowles, e vê-se agora sem ofício nem benefício,
dependendo das mudanças de humor da mamã, que lhe retira honras e atos
oficiais, e que lhe tem dito que terá de passar por cima do seu cadáver para aceder
ao trono. O seu gesto causa desassossego, bem como a sua postura de desalento,
com essa mão apoiada no punho de um sabre absurdo, que sustenta a sua paixão,
como se tivesse deixado de ser o símbolo que noutro tempo representava a sua virilidade.
Dá a impressão de que, mais do que carregar as medalhas e as condecorações que
apertam o seu peito, são elas que o carregam. Até o uniforme parece estar um
pouco grande, como se tivesse começado a mingar dentro dele, dentro desse
abismo no qual a cabeça poderia perder-se. Um nem-nem desesperado, enfim, um
rapaz que nem estuda nem trabalha. Dá pena vê-lo definhar desse modo ao mesmo
tempo que a rainha mãe aparece mais saudável e vigorosa do que nunca. O peso da
coroa, longe de a abater, dá-lhe asas, eleva-a, como um desses refrescos
mineralizantes que se tomam ao sair da sauna, ou depois de um esforço físico
notável ou durante uma diarreia. Será que a anciã rejuvenescida não se dá conta
de que o seu rebento, o jovem ancião da foto, precisa de um pouco dessa poção? Até
onde nos desumaniza o poder?”
Uma deliciosa reflexão sobre o poder sobre uma
imagem que poderíamos contrapor à do abraço entre Juan Carlos e Filipe, seu
filho.
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