A desagregação do Bloco de Esquerda (BE) é cada
vez mais penosa e quase patética, tamanha é a multiplicação de tendências que
se anulam, saem, ameaçam sair e outras peripécias que evidenciam bem o estado
de decomposição em curso, apesar dos olhos doces de Catarina e o ar de boa
pessoa de Semedo.
O efeito surpresa, o estado de graça junto de uma
certa comunicação social que se revia em alguns temas de fratura assumidos e que considerada fora de moda pertencer ao PCP, o
poder comunicacional do saudoso Miguel Portas, a distância face a personagens importantes
como Marisa Matias com a ida para o Parlamento Europeu, os laivos de sectarismo
que são cada vez mais evidentes, as incompatibilidades históricas entre
correntes como maoistas (mesmo que adaptados à realidade de hoje) e troksistas
são, entre outros, os fatores da decomposição.
Esgotado o efeito mobilizador dos temas
fraturantes, não é fácil mobilizar o voto de protesto quando se tem um PCP até
agora imbatível nesse estatuto e sobretudo com um misto de capacidade de experiência
e renovação etária (valeria a pena estudar as condições desta renovação) que não
tem paralelo na esquerda. Só uma cultura de organização como a do PCP aguenta
este estatuto de eterna projeção do voto de protesto, sobretudo devido à capacidade
de defesa de conquistas do Portugal democrático, embora permanecendo sempre
fora da contaminação de uma passagem pelo poder. Ora, o BE nem tem essa
penetração sindical, uma espécie de seguro de vida para fixar uma massa mínima
de militantes, nem apresenta uma cultura de organização similar que lhe permita
manter-se afastado da contaminação de estar no poder.
É verdade que episodicamente a nebulosa de
pensamento que gira em torno do BE se aproxima do querer a intervenção nos tais
riscos da contaminação, mas quando isso acontece a coerência desse pensamento é
débil. Por exemplo, nesta nebulosa de pensamento não há posição definida quanto
à presença ou saída do euro e isso diz bem de quão longe o BE está de uma participação
em soluções de governação. Nesse aspeto, por exemplo, o PCP tem hoje uma posição
bem mais clara quanto ao euro do que o BE e isto diz bem dos problemas que
anotei.
E o recente trabalho (ou proposta, não sei bem
como a caracterizar) de economistas como Ricardo Cabral e Francisco Louçã sobre
a reestruturação da dívida portuguesa (economistas que integram a tal nebulosa
de pensamento em torno do BE) vai pelo mesmo sentido quando coloca a questão
numa espécie de unilateralidade técnica sem analisar as condições políticas
para viabilizar a solução.
Bem pode o meu amigo Jorge Bateira esforçar-se
com o seu habitual e fervoroso voluntarismo para dar algum sentido de coerência
a esta nebulosa de pensamento que os resultados são frágeis. O seu mais recente
artigo no Jornal i, reproduzido no Ladrões de Bicicletas, não é muito original
pois traz para as teses desta nebulosa a tese de Richard Koo um economista do
grupo financeiro Nomura que primeiro do que todos (também pioneiramente
lembrado neste blogue) denunciou que, quando em simultâneo, empresas, famílias
e o próprio Estado estão em corte de despesa para desalavancar endividamento só
há um resultado possível –a recessão severa.
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