domingo, 13 de julho de 2014

UM BLOCO CADA VEZ MENOS BLOCO



A desagregação do Bloco de Esquerda (BE) é cada vez mais penosa e quase patética, tamanha é a multiplicação de tendências que se anulam, saem, ameaçam sair e outras peripécias que evidenciam bem o estado de decomposição em curso, apesar dos olhos doces de Catarina e o ar de boa pessoa de Semedo.
O efeito surpresa, o estado de graça junto de uma certa comunicação social que se revia em alguns temas de fratura assumidos e que considerada fora de moda pertencer ao PCP, o poder comunicacional do saudoso Miguel Portas, a distância face a personagens importantes como Marisa Matias com a ida para o Parlamento Europeu, os laivos de sectarismo que são cada vez mais evidentes, as incompatibilidades históricas entre correntes como maoistas (mesmo que adaptados à realidade de hoje) e troksistas são, entre outros, os fatores da decomposição.
Esgotado o efeito mobilizador dos temas fraturantes, não é fácil mobilizar o voto de protesto quando se tem um PCP até agora imbatível nesse estatuto e sobretudo com um misto de capacidade de experiência e renovação etária (valeria a pena estudar as condições desta renovação) que não tem paralelo na esquerda. Só uma cultura de organização como a do PCP aguenta este estatuto de eterna projeção do voto de protesto, sobretudo devido à capacidade de defesa de conquistas do Portugal democrático, embora permanecendo sempre fora da contaminação de uma passagem pelo poder. Ora, o BE nem tem essa penetração sindical, uma espécie de seguro de vida para fixar uma massa mínima de militantes, nem apresenta uma cultura de organização similar que lhe permita manter-se afastado da contaminação de estar no poder.
É verdade que episodicamente a nebulosa de pensamento que gira em torno do BE se aproxima do querer a intervenção nos tais riscos da contaminação, mas quando isso acontece a coerência desse pensamento é débil. Por exemplo, nesta nebulosa de pensamento não há posição definida quanto à presença ou saída do euro e isso diz bem de quão longe o BE está de uma participação em soluções de governação. Nesse aspeto, por exemplo, o PCP tem hoje uma posição bem mais clara quanto ao euro do que o BE e isto diz bem dos problemas que anotei.
E o recente trabalho (ou proposta, não sei bem como a caracterizar) de economistas como Ricardo Cabral e Francisco Louçã sobre a reestruturação da dívida portuguesa (economistas que integram a tal nebulosa de pensamento em torno do BE) vai pelo mesmo sentido quando coloca a questão numa espécie de unilateralidade técnica sem analisar as condições políticas para viabilizar a solução.
Bem pode o meu amigo Jorge Bateira esforçar-se com o seu habitual e fervoroso voluntarismo para dar algum sentido de coerência a esta nebulosa de pensamento que os resultados são frágeis. O seu mais recente artigo no Jornal i, reproduzido no Ladrões de Bicicletas, não é muito original pois traz para as teses desta nebulosa a tese de Richard Koo um economista do grupo financeiro Nomura que primeiro do que todos (também pioneiramente lembrado neste blogue) denunciou que, quando em simultâneo, empresas, famílias e o próprio Estado estão em corte de despesa para desalavancar endividamento só há um resultado possível –a recessão severa.

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