terça-feira, 22 de julho de 2014

A “DESFINANCIALIZAÇÃO” DA ECONOMIA




“Desfinancialização” é um palavrão horrível, não terá creio eu equivalente próximo na língua portuguesa, mas vem a preceito nestas semanas “horribilis” para o sistema financeiro português, à medida que se vai percebendo quão enraizado está o já aqui profusamente mencionado “crony capitalism” à portuguesa, neste caso à moda dos Espírito Santo.
Mas que a palavra vem a preceito isso não há dúvida.
Primeiro, porque continuar a permitir que o financiamento da economia portuguesa real e com potencial de exportação seja continuamente condicionado pelas contínuas e reiteradas instabilidades que o sistema financeiro cria levar-nos-á à exaustão, seja na perda de controlo nacional sobre o universo das grandes empresas, seja pelo atrofiamento do crédito ao que praticamente nos resta, o sistema de PME com performance simultânea de inovação e internacionalização.
Segundo, porque é o tema central da Conferência “Mission-Oriented Finance” que está a ser realizada em Londres (22 a 24 de julho de 2014), sob a orientação de uma das mais estimulantes economistas nos tempos mais recentes, Mariana Mazzucato, autora de também um dos mais estimulantes livros que devorei nos últimos tempos, The Entrepreneurial State

Acolhida como “guest writer” pelo Alphaville do Financial Times, a economista do SPRU – Sussex parte do gráfico que abre este post e mostra como é necessário desconstruir a tendência para o sistema financeiro se alimentar a si próprio, marcando em alternativa uma linha de financiamento a longo prazo, capaz de alimentar o único processo que tem conduzido o capitalismo a uma dinãmica de longo prazo, constituído pelo binómio inovação-crescimento e o único também capaz de minimizar os riscos da estagnação secular que tem sido objeto da minha reflexão neste blogue.
Em parceria com Carlota Pérez, mulher de Chris Freeman, e uma das economistas da inovação vivas mais proeminentes, Mazzucato é autora de um importante e recente trabalho, “Innovation as Growth Policy: the challenge for Europe”, de leitura crucial para todos os que ambicionarem uma política de aplicação do próximo período de programação de Fundos Estruturais e de Investimento em Portugal que nos potencie o crescimento económico tão desejado.

Mazzucato é também, juntamente, com William Lazonick, autora de um importante artigo que analisa a questão fundamental de um processo de inovação e dos dilemas do seu financiamento: quem assume riscos, quem colhe os benefícios (The risk-reward nexus in the innovation-inequality relationship: who takes the risks? Who gets the rewards?).
Esta questão adquire uma relevância adicional em contexto de estagnação secular potencial e sobretudo depois de investigação recente mostrar que o registo de patentes tende a reduzir a dinâmica de geração de novo conhecimento nas áreas patenteadas.
O nosso encolher de ombros proclamando que não somos uma economia de fronteira tecnológica e que a nossa realidade é outra tem de ser rapidamente ultrapassado. Com os “donos disto tudo” mais interessados na captação de rendas do que propriamente apostar forte numa frente de inovação que estimule as PME nacionais a uma réplica de onda de inovação, terá de ser o nosso universo de PME inovadoras e internacionalizadas a fazê-lo e por isso o financiamento da inovação adquire um relevo central.
Com o Banco de Fomento no segredo dos deuses, sem se vislumbrar pensamento sobre a matéria, este tema deve estar na agenda política (atenção à equipa de António Costa).

Sem comentários:

Enviar um comentário