“Desfinancialização” é um palavrão horrível, não
terá creio eu equivalente próximo na língua portuguesa, mas vem a preceito
nestas semanas “horribilis” para o sistema financeiro português, à medida que
se vai percebendo quão enraizado está o já aqui profusamente mencionado “crony capitalism”
à portuguesa, neste caso à moda dos Espírito Santo.
Mas que a palavra vem a preceito isso não há dúvida.
Primeiro, porque continuar a permitir que o
financiamento da economia portuguesa real e com potencial de exportação seja
continuamente condicionado pelas contínuas e reiteradas instabilidades que o
sistema financeiro cria levar-nos-á à exaustão, seja na perda de controlo
nacional sobre o universo das grandes empresas, seja pelo atrofiamento do crédito
ao que praticamente nos resta, o sistema de PME com performance simultânea de
inovação e internacionalização.
Segundo, porque é o tema central da Conferência “Mission-Oriented
Finance” que está a ser realizada em Londres (22 a 24 de julho de
2014), sob a orientação de uma das mais estimulantes economistas nos tempos
mais recentes, Mariana Mazzucato, autora de também um dos mais estimulantes
livros que devorei nos últimos tempos, The Entrepreneurial State.
Acolhida como “guest writer” pelo Alphaville do Financial Times, a economista do
SPRU – Sussex parte do gráfico que abre este post e mostra como é necessário desconstruir a tendência para o
sistema financeiro se alimentar a si próprio, marcando em alternativa uma linha
de financiamento a longo prazo, capaz de alimentar o único processo que tem
conduzido o capitalismo a uma dinãmica de longo prazo, constituído pelo binómio
inovação-crescimento e o único também capaz de minimizar os riscos da estagnação
secular que tem sido objeto da minha reflexão neste blogue.
Em parceria com Carlota Pérez, mulher de Chris
Freeman, e uma das economistas da inovação vivas mais proeminentes, Mazzucato é
autora de um importante e recente trabalho, “Innovation as Growth Policy: the challenge for Europe”, de leitura crucial para todos os que ambicionarem uma
política de aplicação do próximo período de programação de Fundos Estruturais e
de Investimento em Portugal que nos potencie o crescimento económico tão
desejado.
Mazzucato é também, juntamente, com William
Lazonick, autora de um importante artigo que analisa a questão fundamental de
um processo de inovação e dos dilemas do seu financiamento: quem assume riscos,
quem colhe os benefícios (The risk-reward nexus in the innovation-inequality relationship: who takes the risks? Who gets the rewards?).
Esta questão adquire uma relevância adicional em
contexto de estagnação secular potencial e sobretudo depois de investigação
recente mostrar que o registo de patentes tende a reduzir a dinâmica de geração
de novo conhecimento nas áreas patenteadas.
O nosso encolher de ombros proclamando que não
somos uma economia de fronteira tecnológica e que a nossa realidade é outra tem
de ser rapidamente ultrapassado. Com os “donos disto tudo” mais interessados na
captação de rendas do que propriamente apostar forte numa frente de inovação
que estimule as PME nacionais a uma réplica de onda de inovação, terá de ser o
nosso universo de PME inovadoras e internacionalizadas a fazê-lo e por isso o
financiamento da inovação adquire um relevo central.
Com o Banco de Fomento no segredo dos deuses, sem
se vislumbrar pensamento sobre a matéria, este tema deve estar na agenda política
(atenção à equipa de António Costa).
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