O meu colega de blogue dedicou ontem uma peça corajosa
a duas aparições de Daniel Bessa, no Olhos nos Olhos da TVI 24 com um Medina Carreira
para o qual já não tenho pachorra de hipotecar tempo e que precisa de novas
lentes para entender os nossos problemas e na iniciativa da APGEI juntamente
com o Governador do Banco de Portugal Carlos Costa. Não vi a primeira aparição,
pelos motivos já apontados (afinal não sou um comentador de serviço) e não
assisti à segunda. Por isso, não será o material das duas aparições o tema do
meu post, antes o que representam as posições de Daniel Bessa do ponto de vista
do que elas comunicam para a opinião pública e para o público relativamente fiel
de que este economista nortenho ainda dispõe, não só entre pares, mas no público
em geral sem formação económica especializada.
Ao jeito de explicitação de conflito de
interesses, mantive com o Daniel Bessa alguma cumplicidade nos tempos iniciais
da Faculdade de Economia do Porto pós Abril de 1974, período em que pertencemos
ambos ao Conselho Diretivo, com a companhia de um intelectual de primeira,
Robert Rowland que se esfumou entretanto pelos meandros da academia lisboeta
(ISCTE, creio). Recordo uma noite desse período, que poderia ter sido trágica, em
que fui acordado em plena madrugada pelo DB e por uma amiga comum, então chefe
da secretaria da Faculdade, a convocarem-me para presenciar no local os
estragos da bomba que rebentou nas instalações da já nova Faculdade, colocada
pela extrema-direita insatisfeita, presume-se, com os rumos ideológicos da
Faculdade.
Desde esse período, tenho mantido relações de
proximidade muito pontuais, mesmo muito pontuais, sobretudo porque embora tenhamos
feito percursos de não comprometimento absoluto com a carreira académica (com a
diferença do DB tê-lo feito apenas depois do doutoramento concluído), as trajetórias
de cada um afastaram-se por completo, sobretudo depois da experiência,
presume-se traumática, do seu exercício ministerial com Guterres.
O DB tem um público fiel, repito não só na opinião
pública mas também entre pares, e isso deve-se a uma faceta que importa
recordar. DB apresentou-se sempre como um homem de ação, capaz de conjugar o
conhecimento e a intervenção sobre uma empresa com o domínio (operacional) das
questões macro. Esta combinação considero-a uma virtude, sobretudo se a pessoa
em questão mantiver o equilíbrio entre as duas dimensões. É também uma virtude
extremamente apreciada no contexto dos economistas formados pela Faculdade de
Economia do Porto, onde como se sabe a formação macro foi sendo claramente
deficitária. Antes do 25 de abril era deficitária por incompetência e
desconhecimento do corpo docente (muito fraco nessa dimensão e a quem não
perdoo o subdesenvolvimento de formação de que tive que arrepiar caminho). Depois
do 25 de abril, porque nunca se conseguiu fazer interagir a claramente melhor
formação macro desse período com a política macroeconómica (distância do Porto
face às questões da governação). Uma boa ilustração dessa deficiência é a
incapacidade da Faculdade para integrar positivamente as experiências
ministeriais de Miguel Cadilhe e Fernando Teixeira dos Santos, “mal-tratados”
por uma Escola incapaz de perceber a importância da referida interação.
DB, desde muito cedo, afastou-se da componente da
investigação macro para se aproximar do pragmatismo da intervenção, micro ou
meso, quebrando assim a virtude do equilíbrio que a sua experiência
representava, sendo também visível, por esses motivos, a sua queda de
popularidade entre pares, agora mais jovens e menos sensíveis a esse equilíbrio.
Não quer dizer que não continue, pontualmente, a projetar com coragem algumas
ideias, porventura e por vezes incómodas para político ouvir e não será por
isso que o recrimino. Muito menos o recriminarei por alguma migração ideológica
da esquerda não se sabe bem para onde. Não é o primeiro e seguramente não será
o último. O que impressiona e me entristece é uma certa perspetiva de vendetta
para com a sua experiência política de relacionamento com o PS e sobretudo para
com o contexto que marcou o fim da sua experiência ministerial. Também gostaria
de melhor entender o fim dessa experiência e perceber os contornos da “cama”
que lhe terá sido tecida pelos meandros da política governamental lisboeta. Mas
tudo isso não justifica essa perspetiva de ajuste de contas que começa a ser
cada vez mais visível. DB tinha experiência suficiente para antecipar que a ida
para a vida política não é para meninos de colégio, conhecia as regras de jogo
e os meandros do PS relativamente bem.
E o que mais me preocupa em tudo isto é que estar
de mal com a vida e com o país não é o melhor estado de alma para dirigir uma
entidade como a COTEC, precisada de ideias novas e arrojadas, afinal a COTEC
lida com a inovação e está tudo dito. Surpreendentemente, DB nunca manifestou
no seu curriculum grande propensão para as questões tecnológicas e da inovação
em geral. A sua liderança da COTEC ainda se deve ao seu prestígio junto do meio
empresarial (grandes empresas) que povoa a COTEC. A sua capacidade de aprendizagem
e a sua capacidade de trabalho fê-lo trilhar uma aprendizagem de função que é
reconhecida. Mas manter essa atitude de vendetta para com uma experiência não é
boa conselheira para dinamizar um projeto que parece estar num plateau a precisar
de salto (disruptivo e não incremental, para nos mantermos na terminologia da
inovação).
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