sexta-feira, 11 de julho de 2014

DE MAL COM A VIDA E COM O PAÍS



O meu colega de blogue dedicou ontem uma peça corajosa a duas aparições de Daniel Bessa, no Olhos nos Olhos da TVI 24 com um Medina Carreira para o qual já não tenho pachorra de hipotecar tempo e que precisa de novas lentes para entender os nossos problemas e na iniciativa da APGEI juntamente com o Governador do Banco de Portugal Carlos Costa. Não vi a primeira aparição, pelos motivos já apontados (afinal não sou um comentador de serviço) e não assisti à segunda. Por isso, não será o material das duas aparições o tema do meu post, antes o que representam as posições de Daniel Bessa do ponto de vista do que elas comunicam para a opinião pública e para o público relativamente fiel de que este economista nortenho ainda dispõe, não só entre pares, mas no público em geral sem formação económica especializada.
Ao jeito de explicitação de conflito de interesses, mantive com o Daniel Bessa alguma cumplicidade nos tempos iniciais da Faculdade de Economia do Porto pós Abril de 1974, período em que pertencemos ambos ao Conselho Diretivo, com a companhia de um intelectual de primeira, Robert Rowland que se esfumou entretanto pelos meandros da academia lisboeta (ISCTE, creio). Recordo uma noite desse período, que poderia ter sido trágica, em que fui acordado em plena madrugada pelo DB e por uma amiga comum, então chefe da secretaria da Faculdade, a convocarem-me para presenciar no local os estragos da bomba que rebentou nas instalações da já nova Faculdade, colocada pela extrema-direita insatisfeita, presume-se, com os rumos ideológicos da Faculdade.
Desde esse período, tenho mantido relações de proximidade muito pontuais, mesmo muito pontuais, sobretudo porque embora tenhamos feito percursos de não comprometimento absoluto com a carreira académica (com a diferença do DB tê-lo feito apenas depois do doutoramento concluído), as trajetórias de cada um afastaram-se por completo, sobretudo depois da experiência, presume-se traumática, do seu exercício ministerial com Guterres.
O DB tem um público fiel, repito não só na opinião pública mas também entre pares, e isso deve-se a uma faceta que importa recordar. DB apresentou-se sempre como um homem de ação, capaz de conjugar o conhecimento e a intervenção sobre uma empresa com o domínio (operacional) das questões macro. Esta combinação considero-a uma virtude, sobretudo se a pessoa em questão mantiver o equilíbrio entre as duas dimensões. É também uma virtude extremamente apreciada no contexto dos economistas formados pela Faculdade de Economia do Porto, onde como se sabe a formação macro foi sendo claramente deficitária. Antes do 25 de abril era deficitária por incompetência e desconhecimento do corpo docente (muito fraco nessa dimensão e a quem não perdoo o subdesenvolvimento de formação de que tive que arrepiar caminho). Depois do 25 de abril, porque nunca se conseguiu fazer interagir a claramente melhor formação macro desse período com a política macroeconómica (distância do Porto face às questões da governação). Uma boa ilustração dessa deficiência é a incapacidade da Faculdade para integrar positivamente as experiências ministeriais de Miguel Cadilhe e Fernando Teixeira dos Santos, “mal-tratados” por uma Escola incapaz de perceber a importância da referida interação.
DB, desde muito cedo, afastou-se da componente da investigação macro para se aproximar do pragmatismo da intervenção, micro ou meso, quebrando assim a virtude do equilíbrio que a sua experiência representava, sendo também visível, por esses motivos, a sua queda de popularidade entre pares, agora mais jovens e menos sensíveis a esse equilíbrio. Não quer dizer que não continue, pontualmente, a projetar com coragem algumas ideias, porventura e por vezes incómodas para político ouvir e não será por isso que o recrimino. Muito menos o recriminarei por alguma migração ideológica da esquerda não se sabe bem para onde. Não é o primeiro e seguramente não será o último. O que impressiona e me entristece é uma certa perspetiva de vendetta para com a sua experiência política de relacionamento com o PS e sobretudo para com o contexto que marcou o fim da sua experiência ministerial. Também gostaria de melhor entender o fim dessa experiência e perceber os contornos da “cama” que lhe terá sido tecida pelos meandros da política governamental lisboeta. Mas tudo isso não justifica essa perspetiva de ajuste de contas que começa a ser cada vez mais visível. DB tinha experiência suficiente para antecipar que a ida para a vida política não é para meninos de colégio, conhecia as regras de jogo e os meandros do PS relativamente bem.
E o que mais me preocupa em tudo isto é que estar de mal com a vida e com o país não é o melhor estado de alma para dirigir uma entidade como a COTEC, precisada de ideias novas e arrojadas, afinal a COTEC lida com a inovação e está tudo dito. Surpreendentemente, DB nunca manifestou no seu curriculum grande propensão para as questões tecnológicas e da inovação em geral. A sua liderança da COTEC ainda se deve ao seu prestígio junto do meio empresarial (grandes empresas) que povoa a COTEC. A sua capacidade de aprendizagem e a sua capacidade de trabalho fê-lo trilhar uma aprendizagem de função que é reconhecida. Mas manter essa atitude de vendetta para com uma experiência não é boa conselheira para dinamizar um projeto que parece estar num plateau a precisar de salto (disruptivo e não incremental, para nos mantermos na terminologia da inovação).

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