sábado, 12 de julho de 2014

MENTORES E EXECUTORES



Já aqui em post anterior foi anotada a metáfora assassina que Daniel Bessa utilizou na sessão promovida pela APGEI, com a presença central do Governador do Banco de Portugal Carlos Costa. Comparando a situação portuguesa à do ataque às Torres Gémeas em Nova Iorque, Sócrates seria o executor do assalto à estabilidade da economia portuguesa, uma espécie de piloto comandado por formas mentoras, neste caso o Governador do Banco de Portugal da altura. Sócrates executor, Constâncio mentor.
O problema da metáfora é que o seu primarismo não joga com o que efetivamente se passou na economia portuguesa. Constâncio fazia parte de um grupo de economistas, vasto diga-se, que tinha uma perceção que viria a revelar-se errada sobre as virtualidades da União Económica e Monetária. Na altura muito pouca gente remou contra a corrente que era forte, sendo de destacar João Ferreira do Amaral, o mais contundente na altura, Miguel Cadilhe menos contundente e surgiu na altura uma literatura na qual eu próprio me revia e que salientava a elevada probabilidade de ocorrência de choques assimétricos numa União Económica e Monetária, com Silva Lopes o mais expressivo.
Não me parece por isso que, a bom rigor, Constâncio fosse o mentor de todas essas expectativas bondosas quanto à UEM. O problema é que o próprio Constâncio se pôs a jeito e de que maneira no seu próprio discurso de tomada de posse como Governador do Banco de Portugal. Já tratei este discurso numa conferência que fiz no Instituto Politécnico do Porto em 2013, com Rui Moreira como colega de intervenção. Para memória de todos, aqui vai um excerto saído dos arquivos digitais do Banco de Portugal:
“ (…) Na verdade, o forte endividamento do sistema bancário no exterior é normal entre regiões de uma mesma zona monetária onde está assegurada a transferência de poupanças sem risco cambial. Os únicos limites têm a ver com a capacidade creditícia de cada uma das instituições bancárias tal como é avaliada pelo mercado e pelas suas congéneres estrangeiras.
Isto prende-se, aliás, com alguns equívocos sobre o significado da balança externa corrente para uma região de uma união monetária como é actualmente Portugal. Sem moeda própria não voltaremos a ter problemas de balança de pagamentos iguais aos do passado. Não existe um problema monetário macroeconómico e não há que tomar medidas restritivas por causa da balança de pagamentos. Ninguém analisa a dimensão macro da balança externa do Mississipi ou de qualquer outra região de uma grande união monetária. Isto não significa que não exista uma restrição externa à economia. Simplesmente esta é o resultado da mera agregação da capacidade de endividamento dos vários agentes económicos. O limite depende essencialmente da capacidade de endividamento dos agentes internos (incluindo os bancos) perante o sistema financeiro da Zona Euro. Se e quando o endividamento for considerado excessivo, as despesas terão que ser contidas porque o sistema financeiro limitará o crédito. O equilíbrio restabelece-se espontaneamente, por um mecanismo de deflação das despesas, e não têm que se aplicar políticas de ajustamento. A ressaca após um forte endividamento pode ter consequências recessivas, mas não é um problema macroeconómico de balança de pagamentos. A analogia mais pertinente é com o novo paradigma que vê a balança corrente externa como o resultado de uma optimização intertemporal do perfil de consumo de uma economia que defronta um mercado de capitais perfeito. A analogia é simplista para um país com moeda própria, mas serve como primeira aproximação para uma região de uma união monetária.”
Será que isto significa que Constâncio foi o mentor do que se passou a seguir? Não propriamente. Mas que as ideias deste discurso traduziam na altura o pensamento de muitos economistas pouco críticos em relação à UEM, disso não tenho dúvidas.
Para memória futura e pela crítica das metáforas assassinas.

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