Já aqui em post
anterior foi anotada a metáfora assassina que Daniel Bessa utilizou na sessão
promovida pela APGEI, com a presença central do Governador do Banco de Portugal
Carlos Costa. Comparando a situação portuguesa à do ataque às Torres Gémeas em
Nova Iorque, Sócrates seria o executor do assalto à estabilidade da economia
portuguesa, uma espécie de piloto comandado por formas mentoras, neste caso o
Governador do Banco de Portugal da altura. Sócrates executor, Constâncio
mentor.
O problema da metáfora é que o seu primarismo não
joga com o que efetivamente se passou na economia portuguesa. Constâncio fazia
parte de um grupo de economistas, vasto diga-se, que tinha uma perceção que
viria a revelar-se errada sobre as virtualidades da União Económica e Monetária.
Na altura muito pouca gente remou contra a corrente que era forte, sendo de
destacar João Ferreira do Amaral, o mais contundente na altura, Miguel Cadilhe
menos contundente e surgiu na altura uma literatura na qual eu próprio me revia
e que salientava a elevada probabilidade de ocorrência de choques assimétricos numa
União Económica e Monetária, com Silva Lopes o mais expressivo.
Não me parece por isso que, a bom rigor, Constâncio
fosse o mentor de todas essas expectativas bondosas quanto à UEM. O problema é
que o próprio Constâncio se pôs a jeito e de que maneira no seu próprio
discurso de tomada de posse como Governador do Banco de Portugal. Já tratei
este discurso numa conferência que fiz no Instituto Politécnico do Porto em
2013, com Rui Moreira como colega de intervenção. Para memória de todos, aqui
vai um excerto saído dos arquivos digitais do Banco de Portugal:
“ (…) Na verdade, o forte endividamento do sistema
bancário no exterior é normal entre regiões de uma mesma zona monetária onde
está assegurada a transferência de poupanças sem risco cambial. Os únicos
limites têm a ver com a capacidade creditícia de cada uma das instituições
bancárias tal como é avaliada pelo mercado e pelas suas congéneres
estrangeiras.
Isto prende-se, aliás, com alguns equívocos sobre o
significado da balança externa corrente para uma região de uma união monetária
como é actualmente Portugal. Sem moeda própria não voltaremos a ter problemas
de balança de pagamentos iguais aos do passado. Não existe um problema
monetário macroeconómico e não há que tomar medidas restritivas por causa da
balança de pagamentos. Ninguém analisa a dimensão macro da balança externa do
Mississipi ou de qualquer outra região de uma grande união monetária. Isto não
significa que não exista uma restrição externa à economia. Simplesmente esta é
o resultado da mera agregação da capacidade de endividamento dos vários agentes
económicos. O limite depende essencialmente da capacidade de endividamento dos
agentes internos (incluindo os bancos) perante o sistema financeiro da Zona
Euro. Se e quando o endividamento for considerado excessivo, as despesas terão
que ser contidas porque o sistema financeiro limitará o crédito. O equilíbrio
restabelece-se espontaneamente, por um mecanismo de deflação das despesas, e
não têm que se aplicar políticas de ajustamento. A ressaca após um forte
endividamento pode ter consequências recessivas, mas não é um problema
macroeconómico de balança de pagamentos. A analogia mais pertinente é com o
novo paradigma que vê a balança corrente externa como o resultado de uma
optimização intertemporal do perfil de consumo de uma economia que defronta um
mercado de capitais perfeito. A analogia é simplista para um país com moeda
própria, mas serve como primeira aproximação para uma região de uma união
monetária.”
Será que isto significa que Constâncio foi o
mentor do que se passou a seguir? Não propriamente. Mas que as ideias deste discurso
traduziam na altura o pensamento de muitos economistas pouco críticos em relação
à UEM, disso não tenho dúvidas.
Para memória futura e pela crítica das metáforas
assassinas.
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