José Inácio Torreblanca tem no suplemento Domingo do El País de hoje um excelente artigo focado na encruzilhada socialista do
tempo presente, intitulado “La
socialdemocracia en la era de la austeridade”. O artigo tem uma fotografia
a acompanhá-lo, que recorda a reunião promovida em Paris, no dia 21 de junho,
por François Hollande, na qual vários dirigentes socialistas europeus (com
alguns chefes de governo presentes) e que segundo os meus registos não teve a
participação do PS português.
O artigo constitui um excelente contributo para
uma tentativa de explicação das dificuldades eleitorais com que os partidos
social-democratas se têm confrontado nos últimos tempos, aparentemente com um
contexto macroeconómico favorável, essencialmente ditado pela falência das teses
da austeridade na resolução da questão europeia.
É conhecido que a social-democracia europeia se
instalou em tempos de redistributivismo potenciado por ritmos de crescimento
económico hoje afastados do horizonte próximo e sobretudo por estádios de
organização da economia mundial ainda distantes dos rumos que a globalização,
sobretudo financeira, assumiu nos tempos mais recentes. A progressiva degradação
destas condições constitutivas deu origem a duas derivas, ambas sem capacidade
intrínseca para assegurar um novo vigor à sua prática política.
Por um lado, a deriva do mercado conduziu os
modelos de governação social-democrata à perda do equilíbrio entre o reconhecimento
da necessidade de presença do mercado e uma intervenção pública seletiva e
inteligente. A sedução pelos mecanismos de mercado sem regulação ou controlo
exerceu uma perniciosa influência em muitas experimentações social-democratas,
de que por exemplo o “new public
management” iniciado pelas bandas do Reino Unido de Blair e companhia
constitui a principal deformação, sobretudo quando requentadamente e fora do
tempo aplicada como em Portugal.
Por outro lado, a deriva do entrincheiramento nos
velhos modelos da intervenção pública, incapaz de compreender que o velho
redistributivismo social-democrata não dispõe das mesmas condições de outrora
para ser experimentado e sobretudo incapaz de antever que o novo
redistributivismo exige novas escolhas públicas. Ou seja, experiências
incapazes de compreender que para manter a possibilidade de algum
redistributivismo, sobretudo de natureza social, ter-se-á que abandonar outros
domínios de intervenção pública e sobretudo manter o equilíbrio das forças
favoráveis ao crescimento económico.
O suplemento do El País dedica especial atenção ao
pragmatismo social-democrata dos escandinavos e não posso deixar de lhe dar
ampla razão. Os socialistas escandinavos mostram que é possível fazer a
diferença e oferecer uma alternativa de escolha às populações face às derivas
descontroladas do mercado.
Um exemplo ajuda a compreender o meu argumento. Uma
governação de direita como a nossa olha para as possíveis fraudes e falta de
rigor na aplicação dos apoios sociais como o melhor argumento possível para a
sua eliminação ou cortes avultados nas prestações. O pragmatismo escandinavo,
pelo contrário, defende esses apoios sofisticando e gerindo com maios rigor a
fiscalização desses apoios.
Por isso, em meu modesto entender, o desafio da
social-democracia, hoje, está em reconhecer que não tem de abandonar os ideais
redistributivos. A ampla recetividade que a obra de Piketty provocou é a melhor
ilustração desse potencial. Porém, há que inserir essa perspetiva em novas
escolhas públicas e só uma prática de governação, mais do que bases programáticas,
poderá explicitar e convencer as populações mais hesitantes quanto a essa
possibilidade.
À atenção de António Costa.
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