domingo, 6 de julho de 2014

SOCIAL-DEMOCRACIA E CRISE



José Inácio Torreblanca tem no suplemento Domingo do El País de hoje um excelente artigo focado na encruzilhada socialista do tempo presente, intitulado “La socialdemocracia en la era de la austeridade”. O artigo tem uma fotografia a acompanhá-lo, que recorda a reunião promovida em Paris, no dia 21 de junho, por François Hollande, na qual vários dirigentes socialistas europeus (com alguns chefes de governo presentes) e que segundo os meus registos não teve a participação do PS português.
O artigo constitui um excelente contributo para uma tentativa de explicação das dificuldades eleitorais com que os partidos social-democratas se têm confrontado nos últimos tempos, aparentemente com um contexto macroeconómico favorável, essencialmente ditado pela falência das teses da austeridade na resolução da questão europeia.
É conhecido que a social-democracia europeia se instalou em tempos de redistributivismo potenciado por ritmos de crescimento económico hoje afastados do horizonte próximo e sobretudo por estádios de organização da economia mundial ainda distantes dos rumos que a globalização, sobretudo financeira, assumiu nos tempos mais recentes. A progressiva degradação destas condições constitutivas deu origem a duas derivas, ambas sem capacidade intrínseca para assegurar um novo vigor à sua prática política.
Por um lado, a deriva do mercado conduziu os modelos de governação social-democrata à perda do equilíbrio entre o reconhecimento da necessidade de presença do mercado e uma intervenção pública seletiva e inteligente. A sedução pelos mecanismos de mercado sem regulação ou controlo exerceu uma perniciosa influência em muitas experimentações social-democratas, de que por exemplo o “new public management” iniciado pelas bandas do Reino Unido de Blair e companhia constitui a principal deformação, sobretudo quando requentadamente e fora do tempo aplicada como em Portugal.
Por outro lado, a deriva do entrincheiramento nos velhos modelos da intervenção pública, incapaz de compreender que o velho redistributivismo social-democrata não dispõe das mesmas condições de outrora para ser experimentado e sobretudo incapaz de antever que o novo redistributivismo exige novas escolhas públicas. Ou seja, experiências incapazes de compreender que para manter a possibilidade de algum redistributivismo, sobretudo de natureza social, ter-se-á que abandonar outros domínios de intervenção pública e sobretudo manter o equilíbrio das forças favoráveis ao crescimento económico.
O suplemento do El País dedica especial atenção ao pragmatismo social-democrata dos escandinavos e não posso deixar de lhe dar ampla razão. Os socialistas escandinavos mostram que é possível fazer a diferença e oferecer uma alternativa de escolha às populações face às derivas descontroladas do mercado.
Um exemplo ajuda a compreender o meu argumento. Uma governação de direita como a nossa olha para as possíveis fraudes e falta de rigor na aplicação dos apoios sociais como o melhor argumento possível para a sua eliminação ou cortes avultados nas prestações. O pragmatismo escandinavo, pelo contrário, defende esses apoios sofisticando e gerindo com maios rigor a fiscalização desses apoios.
Por isso, em meu modesto entender, o desafio da social-democracia, hoje, está em reconhecer que não tem de abandonar os ideais redistributivos. A ampla recetividade que a obra de Piketty provocou é a melhor ilustração desse potencial. Porém, há que inserir essa perspetiva em novas escolhas públicas e só uma prática de governação, mais do que bases programáticas, poderá explicitar e convencer as populações mais hesitantes quanto a essa possibilidade.
À atenção de António Costa.

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