Aqui há uns tempos andou por aí uma discussão em torno das falhas associadas aos programas de ajustamento e, designadamente, aos multiplicadores utilizados para os calibrar. Mas foi o célebre erro na folha de cálculo de Excel de um estudo de Rogoff e Reinhart que veio não apenas por em causa algumas das suas conclusões quanto ao impacto da dívida no crescimento como também, e principalmente, a fragilidade dos argumentos de suporte à aplicação de políticas de austeridade na periferia da Zona Euro.
Ora, parece que chegou agora a vez de uma certa Esquerda. Não que duvide da justeza dos cálculos efetuados pelos quatro autores do “programa sustentável” que hoje é apresentado, em termos concretos, para relançar o debate sobre a reestruturação da dívida portuguesa. Mas porque, como várias vezes aqui tenho sublinhado, o papel aceita tudo.
Explico-me: a apresentação de uma “proposta concreta” com aqueles moldes (acima resumidos numa infografia de Sérgio Aníbal no “Público”) tem o seu quê de lunático, na medida em que, enquanto “concreto” significa “exprimir alguma coisa de real”, este projeto concreto exprime sobretudo alguma coisa de irreal, leia-se até de cândido: “o Estado adiaria em décadas o pagamento das suas dívidas, a banca sobreviveria não pagando ela própria aos seus credores e o país ficaria com a sua dívida líquida ao estrangeiro reduzida a mais de metade”.
Que um jota como Pedro Nuno se deixe seduzir pela oportunidade de participar de um momento pseudo-glorioso compreende-se, que dois académicos sem grande experiência profissional e política se deixem encantar pela pujança das manipulações de números que a informática lhes permite ainda se vai compreendendo, agora que um político com vasto currículo e professor catedrático prestigiado como Francisco Louçã envolva o seu nome num tal “programa” é simplesmente motivo de estupefação.
Um programa de reestruturação decidido a partir de Lisboa e por livre recreação dos seus interessados, um programa de reestruturação que desconhece a enorme margem de manobra dos credores e as complexidades decorrentes da sua multiplicidade, um programa de reestruturação que admite responder aos riscos de um colapso do sistema bancário com a sua nacionalização, um programa de reestruturação que funciona com o capitalismo em que vivemos de um modo não muito diverso do dos mais ortodoxos defensores da Economia como ciência que assume predominantemente a ficção da mão invisível e da racionalidade do homo economicus...
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