quinta-feira, 10 de julho de 2014

O EXCEL DE UMA CERTA ESQUERDA



Aqui há uns tempos andou por aí uma discussão em torno das falhas associadas aos programas de ajustamento e, designadamente, aos multiplicadores utilizados para os calibrar. Mas foi o célebre erro na folha de cálculo de Excel de um estudo de Rogoff e Reinhart que veio não apenas por em causa algumas das suas conclusões quanto ao impacto da dívida no crescimento como também, e principalmente, a fragilidade dos argumentos de suporte à aplicação de políticas de austeridade na periferia da Zona Euro.

Ora, parece que chegou agora a vez de uma certa Esquerda. Não que duvide da justeza dos cálculos efetuados pelos quatro autores do “programa sustentável” que hoje é apresentado, em termos concretos, para relançar o debate sobre a reestruturação da dívida portuguesa. Mas porque, como várias vezes aqui tenho sublinhado, o papel aceita tudo.

Explico-me: a apresentação de uma “proposta concreta” com aqueles moldes (acima resumidos numa infografia de Sérgio Aníbal no “Público”) tem o seu quê de lunático, na medida em que, enquanto “concreto” significa “exprimir alguma coisa de real”, este projeto concreto exprime sobretudo alguma coisa de irreal, leia-se até de cândido: “o Estado adiaria em décadas o pagamento das suas dívidas, a banca sobreviveria não pagando ela própria aos seus credores e o país ficaria com a sua dívida líquida ao estrangeiro reduzida a mais de metade”.

Que um jota como Pedro Nuno se deixe seduzir pela oportunidade de participar de um momento pseudo-glorioso compreende-se, que dois académicos sem grande experiência profissional e política se deixem encantar pela pujança das manipulações de números que a informática lhes permite ainda se vai compreendendo, agora que um político com vasto currículo e professor catedrático prestigiado como Francisco Louçã envolva o seu nome num tal “programa” é simplesmente motivo de estupefação.

Um programa de reestruturação decidido a partir de Lisboa e por livre recreação dos seus interessados, um programa de reestruturação que desconhece a enorme margem de manobra dos credores e as complexidades decorrentes da sua multiplicidade, um programa de reestruturação que admite responder aos riscos de um colapso do sistema bancário com a sua nacionalização, um programa de reestruturação que funciona com o capitalismo em que vivemos de um modo não muito diverso do dos mais ortodoxos defensores da Economia como ciência que assume predominantemente a ficção da mão invisível e da racionalidade do homo economicus...

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