sexta-feira, 11 de julho de 2014

O JOÃO PINTO DA ECONOMIA

(Bessa e Guterres em 1995)

Será talvez da idade, já algo provecta, mas às vezes dou por mim a comportar-me como um maduro! Então não é que nem sempre opto por mudar de canal quando aparece no ecrã aquele senhor idoso que tanto gosta que o designem por professor (o que, em boa verdade, não é) e cuja postura prima pela arrogância dos ignorantes, pelo autismo dos narcisos, pelo insulto dos malcriados e pela rabugice dos senis! Henrique Medina Carreira assume-se como uma espécie nova de estrela televisiva, embora quase sempre não dispense a companhia de um convidado, por norma de uma criatura cujo discurso venha alimentar, com uma fraseologia bajuladora e de gosto duvidoso, o ego do astro anfitrião. Pois esta semana esse artista secundário era um irónico e nonchalant Daniel Bessa (DB), nem por isso se considerando menos corajoso (“vou ser eu próprio e vou dizer coisas um bocadinho desagradáveis”, disse ele a páginas tantas).

E entre várias tiradas geniais, DB teve dois momentos de sublime inspiração. Um deles define o grau de travestismo do economista em artista de circo, neste quadro bem mais próximo do chico-espertismo do palhaço rico do que da pureza do palhaço pobre – como quando afirmou, aliás satisfeitíssimo consigo próprio: “Um novo resgate haverá de certeza. Pode é não ser na minha vida, não é? A história não acaba aqui. Só nos últimos quarenta anos já vamos em três. E se olharmos para trás houve mais, bem duros. Espero é que não seja durante a minha vida, tá a ver, essa esperança eu tenho. Mas não tenho a certeza, não tenho a certeza.”

O outro momento a merecer referência foi aquele em que o ex-porta-voz do governo-sombra de António Guterres e seu primeiro ministro da Economia em 1995 foi ao ponto de finalmente deixar claro ao que as suas declarações em crescendo têm pretendido vir, numa vendeta tardia, despropositada e a mero benefício de algum alívio de frustrações durante anos recalcadas. Falou assim, amnésico de tudo quanto (não) disse naqueles tempos (que foram, sim, no “século passado” mas que ainda têm menos de vinte anos de idade) e qual futebolista prognosticando em final do jogo: “Sabe que eu sou muito crítico em termos de responsabilidades. Eu acho que esta questão não começou aqui. E sou, nomeadamente, muito crítico no que se refere ao governo do engenheiro António Guterres na segunda metade dos anos 90. Por isso mesmo. Porque, na segunda metade dos anos 90, os juros caíram a pique e, em vez de aproveitarmos a descida dos juros a pique para tentarmos por a coisa mais em ordem, aproveitamos para gastar em salários, pensões... e o défice foi subindo. Não apenas não aproveitamos a descida dos juros como cavalgamos em matéria de despesa. Isto, por exemplo, os amigos da reestruturação não dizem estas coisas.”

Vieram-me à cabeça várias pessoas que com DB privaram e que nele acreditaram, entre as quais dois homens infelizmente já desaparecidos – o sogro e o seu filho Abel Costa, ambos certamente meninos para proferirem sonoros impropérios perante algumas das afirmações com que DB brinda hoje a malta até chegar a cúmulos que nem nos seus piores pesadelos terão descortinado. A vida é dura, mas é mesmo assim – é a vida...

Nota final: recuperei este texto, que tinha alinhavado na sequência da audição do último “Olhos nos Olhos” e posteriormente decidira deixar em suspenso, após ouvir DB a noite passada durante uma conferência do governador do Banco de Portugal a convite da APGEI. Perante uma sala bastante cheia, incluindo muitos notáveis empresariais e académicos de base portuense, DB foi suficientemente transparente quanto às motivações rasteiras que o animam (até falou em tolerância zero!) e que toscamente foi envolvendo em papel de embrulho (grosseiro ou de fantasia), a ponto de deixar atónita ou incomodada aquela parte dos presentes que ainda se dá ao luxo de resistir ao vazio e que abomina as provocações covardes e as graçolas bombásticas. Sendo que, de passagem, DB ainda conseguiu a façanha de vários beijos de Judas a Carlos Costa, entalando-o também desnecessariamente com uma interpelação (sem sucesso) sobre a “responsabilidade de um banqueiro central [o seu antecessor] nesta história toda”, não se eximindo adicionalmente de tratar Constâncio por “mentor” e Sócrates por “executor” (registe-se que não se referiu ao alegado grande “amigo” Teixeira dos Santos) e de mencionar “um engenheiro que, pelo meio, não corrigiu a trajetória” – um verdadeiro tiroteio vindo de um homem que, na melhor das hipóteses, estará gravemente doente!

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