Uma conversa de fim de tarde de sexta-feira com
um colega com muita má impressão (testada e fundamentada) sobre as más práticas
do sistema financeiro antecipou curiosamente um dos grandes temas dos semanários.
Na verdade, na sequência de toda a série de aldrabices,
vigarices, usurpação de direitos mais elementares dos clientes, má e insidiosa
governação ao nível dos conselhos de administração, relações leoninas entre a
atividade de crédito dos bancos e a compra mais ou menos forçada ou pelo menos
fortemente estimulada de papel comercial de “confiança”, concessões de crédito
a empresas do grupo familiar, os casos do BES e do GES destapam toda a
profundidade do “crony capitalism” à
portuguesa como o tenho vindo a designar.
E já não me convence aquela tirada dos
jornalistas económicos portugueses dizendo muito convencidos que o BPN e BPP,
por um lado e o BES, por outro, são diferentes porque os primeiros são um caso
de polícia. E o BES o que é? Dou para mim a pensar como é que esta trama de família,
requintada talvez, conseguiu influenciar a governação até ajudar a quedas de
governo. Como não poderia deixar de ser gerindo os diferentes layers de acesso
aos negócios preferenciais, do bolo chorudo ao prato de lentilhas e à simples
partilha do glamour dos poderosos.
Mas não é essa a questão que me interessa hoje
aqui desenvolver. O que é relevante assinalar é a relação de tudo isto com o
modelo de crescimento económico da economia portuguesa das últimas duas décadas
claramente dominado pelo setor financeiro, imobiliário e não transacionáveis
associados e como é conhecido com desindustrialização precoce, anemia de
crescimento, constrangimentos à produtividade, baixa intensidade em conhecimento
e inovação.
Ora se é verdade que muito dinheiro tem sido
simplesmente torrado em capitalizações à força e em imparidades irrecuperáveis
esse dinheiro é proveniente do excedente das duas últimas décadas, excedente
que foi desviado de um processo normal de investimento orientado para ramos e
negócios com maior impacto na produtividade e na criação de emprego. E o drama
está precisamente nesse descaminho do excedente reinvestível. Por isso, a
maioria atual deveria estar mais preocupada com os casos do BES, GES e
desmandos associados. É que perante a fobia de redução do papel do Estado ao mínimo
possível e com tanta falsa esperança no potencial compensatório do setor
privado, tudo isto que está a desmoronar-se traduzir-se-á, mais tarde ou mais
cedo, em menor libertação de fundos disponíveis para o tal investimento
redentor. A narrativa do crescimento é assim fortemente penalizada.
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