quinta-feira, 10 de julho de 2014

ECONOMISTAS NÃO ME COMPROMETAS



Os economistas não têm necessariamente de ser ativistas desesperados. Aliás, regra geral, quando o são, não se recomendam em consistência e fundamentação das ideias que professam e das orientações que proclamam. Mas isso não significa que se transformem em insípidos homens de pensamento, incapazes de se pronunciar sobre a coisa pública, receando a pérfida e incómoda contaminação da realidade. Há sobretudo uma espécie que me irrita profundamente e que me tira do sério. Costumo designar esse grupo de “economistas não me comprometas”. A sua característica é a recusarem frequente o pretenso ativismo de uma posição sobre um tema qualquer, temendo o comprometimento, mas simultaneamente não se preocuparem com os custos da omissão de opinião.
Embora Kenneth Rogoff seja coautor (com Carmen Reinhart) de uma das obras mais entusiasmantes que li nos últimos anos, This time is different, que constitui uma rigorosa análise das consequências de crises financeiras ao longo da história económica desde o século XIX, por vezes tende por mim a ser integrado no grupo dos “não me comprometas”. E não é pelo facto de Rogoff e Reinhart estarem ligados ao famoso bug da folha EXCEL, no conhecidíssimo e aqui várias vezes invocado paper sobre a eventual (afinal não demonstrada) existência de um limiar para o peso da dívida pública no PIB, como o ponto a partir do qual a dívida teria de ser reduzida para gerar crescimento. O erro é possível em cálculos dessa natureza e a melhor prática nesse sentido é a publicação conjuntamente com os artigos das bases de cálculo que o fundamentaram, prática que é presentemente seguida por muitos economistas, numa perspetiva de conhecimento aberto e bem público, aberto à crítica, ao debate e ao contraditório. O que não gostei especialmente foi da reação de Rogoff e da sua colega à crítica do aproveitamento que foi feito do artigo pelos falcões da austeridade, que viram aí um racional fundamentador para a visão punitiva da crise da dívida.
Rogoff regressa ao debate com mais um artigo no Project Syndicate, no qual na minha perspetiva procura distanciar-se do grupo dos “não me comprometas”. É nesse registo que Rogoff se inclina para que o fim de jogo em que a crise da dívida europeia se transformou dificilmente acabará sem a reestruturação ou o reescalonamento da dívida. Acaba também por reconhecer que as dívidas brutas das famílias e das instituições financeiras são hoje em percentagem do PIB mais elevadas do que antes da crise financeira para além da dívida pública ter disparado. Mas onde Rogoff foge de um posicionamento claro é quando ele coloca em confronto, como se tivessem o mesmo peso, as posições de Summers e DeLong, por um lado e de Alesina e alguns colegas, por outro. Como já aqui foi referido neste blogue, os primeiros apresentaram uma elegante demonstração de que numa economia deprimida aumentos de curto prazo no endividamento podem pagar-se por si próprios (via estímulo do crescimento), mesmo que as despesas públicas associadas não influenciam o produto potencial a longo prazo. Os segundos, pelo contrário, defendem que numa economia com um governo pesado e ineficiente a estabilização da dívida por via da austeridade de redução da dimensão da esfera do Estado pode ser expansionista. Rogoff vê mal o sentido do debate. Primeiro, as duas teses não têm o mesmo peso e as evidências de que a austeridade é expansionista não se entende bem onde Alesina as foi buscar. Segundo, o paper de Summers e DeLong não visa demonstrar que o estímulo fiscal é a solução única para a crise da dívida. Pretende apenas evidenciar que em certas circunstâncias é vantajoso endividar-se a curto prazo, pois o efeito do crescimento do estimulo fiscal pode pagar o serviço da dívida em que se incorre. O que não é a mesma coisa.
Rogoff considera-se um outsider nesse debate e até avança que as duas posições são extremadas, chamando a atenção para que outras medidas como o reescalonamento da dívida, a inflação ou a punção fiscal sobre a riqueza podem ajudar a resolver o problema. Certo mas não é esse o sentido do debate.
Mas onde Rogoff finalmente se compromete (já o tinha indiciado em Lisboa em entrevista ao Expresso) é quando sentencia: “É o tempo certo para uma conversa sobre perdão da dívida em toda a periferia da zona euro”. E esta hem?

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