Os economistas não têm necessariamente de ser
ativistas desesperados. Aliás, regra geral, quando o são, não se recomendam em
consistência e fundamentação das ideias que professam e das orientações que
proclamam. Mas isso não significa que se transformem em insípidos homens de
pensamento, incapazes de se pronunciar sobre a coisa pública, receando a pérfida
e incómoda contaminação da realidade. Há sobretudo uma espécie que me irrita
profundamente e que me tira do sério. Costumo designar esse grupo de “economistas
não me comprometas”. A sua característica é a recusarem frequente o pretenso
ativismo de uma posição sobre um tema qualquer, temendo o comprometimento, mas
simultaneamente não se preocuparem com os custos da omissão de opinião.
Embora Kenneth Rogoff seja coautor (com Carmen
Reinhart) de uma das obras mais entusiasmantes que li nos últimos anos, This time is different, que constitui
uma rigorosa análise das consequências de crises financeiras ao longo da história
económica desde o século XIX, por vezes tende por mim a ser integrado no grupo
dos “não me comprometas”. E não é pelo facto de Rogoff e Reinhart estarem
ligados ao famoso bug da folha EXCEL, no conhecidíssimo e aqui várias vezes
invocado paper sobre a eventual
(afinal não demonstrada) existência de um limiar para o peso da dívida pública
no PIB, como o ponto a partir do qual a dívida teria de ser reduzida para gerar
crescimento. O erro é possível em cálculos dessa natureza e a melhor prática
nesse sentido é a publicação conjuntamente com os artigos das bases de cálculo
que o fundamentaram, prática que é presentemente seguida por muitos
economistas, numa perspetiva de conhecimento aberto e bem público, aberto à crítica,
ao debate e ao contraditório. O que não gostei especialmente foi da reação de
Rogoff e da sua colega à crítica do aproveitamento que foi feito do artigo
pelos falcões da austeridade, que viram aí um racional fundamentador para a visão
punitiva da crise da dívida.
Rogoff regressa ao debate com mais um artigo no Project Syndicate, no qual na minha
perspetiva procura distanciar-se do grupo dos “não me comprometas”. É nesse
registo que Rogoff se inclina para que o fim de jogo em que a crise da dívida
europeia se transformou dificilmente acabará sem a reestruturação ou o
reescalonamento da dívida. Acaba também por reconhecer que as dívidas brutas
das famílias e das instituições financeiras são hoje em percentagem do PIB mais
elevadas do que antes da crise financeira para além da dívida pública ter disparado.
Mas onde Rogoff foge de um posicionamento claro é quando ele coloca em
confronto, como se tivessem o mesmo peso, as posições de Summers e DeLong, por
um lado e de Alesina e alguns colegas, por outro. Como já aqui foi referido
neste blogue, os primeiros apresentaram uma elegante demonstração de que numa
economia deprimida aumentos de curto prazo no endividamento podem pagar-se por
si próprios (via estímulo do crescimento), mesmo que as despesas públicas
associadas não influenciam o produto potencial a longo prazo. Os segundos, pelo
contrário, defendem que numa economia com um governo pesado e ineficiente a
estabilização da dívida por via da austeridade de redução da dimensão da esfera
do Estado pode ser expansionista. Rogoff vê mal o sentido do debate. Primeiro,
as duas teses não têm o mesmo peso e as evidências de que a austeridade é
expansionista não se entende bem onde Alesina as foi buscar. Segundo, o paper
de Summers e DeLong não visa demonstrar que o estímulo fiscal é a solução única
para a crise da dívida. Pretende apenas evidenciar que em certas circunstâncias
é vantajoso endividar-se a curto prazo, pois o efeito do crescimento do estimulo
fiscal pode pagar o serviço da dívida em que se incorre. O que não é a mesma
coisa.
Rogoff considera-se um outsider nesse debate e até avança que as duas posições são
extremadas, chamando a atenção para que outras medidas como o reescalonamento
da dívida, a inflação ou a punção fiscal sobre a riqueza podem ajudar a
resolver o problema. Certo mas não é esse o sentido do debate.
Mas onde Rogoff finalmente se compromete (já o
tinha indiciado em Lisboa em entrevista ao Expresso) é quando sentencia: “É o
tempo certo para uma conversa sobre perdão da dívida em toda a periferia da
zona euro”. E esta hem?
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