quarta-feira, 16 de agosto de 2017

GENTE SÉRIA

(Paulo Sérgio Pinheiro)



(Sim, embora por vezes não o pareça, no Brasil há gente séria e refletida que sabe bem ouvir ou ler como é o caso de Paulo Sérgio Pinheiro, neste momento Comissário das Nações Unidas para a violação de direitos humanos na Siria…)

Tive o grato prazer de já há alguns dias ter traduzido para português um editorial para o New York Times de Paulo Sérgio Pinheiro sobre a situação política no Brasil e que publiquei na íntegra neste blogue por entender que estava a prestar um serviço de justiça, melhorando a interpretação que por cá se vai fazendo da regressão política que o Brasil está a viver com a golpada de Temer e seus rapazes de estimação.

Desta vez, é o próprio Paulo Sérgio Pinheiro (PSP), desculpe a sigla de abreviação, Caro Sérgio, pois PSP é também Política de Segurança Pública e o seu nome não merece estas confusões, que teve a amabilidade de me enviar pessoalmente o texto de uma sua entrevista recente à revista brasileira VALOR, já depois da amiga Rosa Aguiar Furtado me ter alertado para a importância dessa entrevista.

Uma entrevista que é na prática uma dupla entrevista, sobre a Síria e como não podia deixar de ser sobre a já mencionada regressão política que o autoprotegido governo de Michel Temer vai operando, fazendo o Brasil recuar no tempo vinte ou trinta anos em matéria de proteção e defesa dos mais desfavorecidos.

Comecemos pela Síria. A visão de Paulo Sérgio sobre a complexidade do problema, uma espécie segundo ele de um caleidoscópio em permanente mutação, é serena e oferece-nos uma perspetiva multifacetada do que está neste momento a passar naquele território. Mas no seio dessa serenidade emerge claramente a acusação fundamentada de que a população civil síria não goza neste momento de qualquer proteção política para lá da ajuda possível no terreno das organizações humanitárias, que vão fazendo o impossível  com a ajuda generosa de alguns países. A diversidade das forças em conflito e dos interesses que as movem nessa guerra prolongada constituem a principal razão para a complexidade e para a quase impossível mediação política do conflito. Apesar disso há algumas tréguas como o são o acordo de cessar-fogo entre os EUA, a Rússia e a Jordânia no sul da Síria e o acordo de Astana entre a Rússia, o Irão e a Turquia que deu origem a quatro zonas de desescalada principalmente dos ataques aéreos. Paralelamente, alguns países vizinhos, como o Líbano que segundo Paulo Sérgio tem hoje um milhão de refugiados sírios num equilíbrio que é apreciável, não esquecendo os cerca de seis milhões e meio em deslocamento interno, os cerca de cinco milhões em países como a Turquia, o Curdistão e o próprio Líbano.

Na perspetiva de Paulo Sérgio Pinheiro, face a tal complexidade caleidoscópica a evolução para uma possível paz será necessariamente lenta e provavelmente com uma sucessão de avanços e recuos que ninguém consegue prever.

Quanto ao Brasil, a entrevista é mais dura e contundente, colocando a nu a regressão social e política que o impeachment de Dilma Roussef potenciou. Mas a variável que mais me impressionou é a escalada da violência, para o qual o diplomata brasileiro traz à colação o trabalho do Núcleo de Estudos da Violência que criou na década de 80 na Universidade de S. Paulo. Há números e factos arrepiantes na entrevista: 58.000 mortes violentas em 2015, 221.000 presos sem sentença formada, 700.000 presos, 393 polícias mortos em 2015, dos quais 290 fora de serviço, massacres de população indígena e camponeses em busca de terra, uma proposta sem êxito de um deputado para instaurar o trabalho rural gratuito. Uma mescla assustadora.

Perante esta regressão social e política, uma pergunta se coloca e o próprio Paulo Sérgio Pinheiro faz dela eco: para quando uma aliança política entre a esquerda brasileira e o centro político mais progressista do país? Uma boa pergunta para quem tenha conhecimento suficientemente aprofundado da realidade política brasileira, o que não é, infelizmente, o meu caso.

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