(Paulo Sérgio Pinheiro)
(Sim, embora por
vezes não o pareça, no Brasil há gente séria e refletida que sabe bem ouvir ou
ler como é o caso de Paulo Sérgio Pinheiro, neste momento Comissário das Nações Unidas para a violação de direitos
humanos na Siria…)
Tive o grato prazer de
já há alguns dias ter traduzido para português um editorial para o New York
Times de Paulo Sérgio Pinheiro sobre a situação política no Brasil e que
publiquei na íntegra neste blogue por entender que estava a prestar um serviço
de justiça, melhorando a interpretação que por cá se vai fazendo da regressão
política que o Brasil está a viver com a golpada de Temer e seus rapazes de
estimação.
Desta vez, é o próprio
Paulo Sérgio Pinheiro (PSP), desculpe a sigla de abreviação, Caro Sérgio, pois PSP
é também Política de Segurança Pública e o seu nome não merece estas confusões,
que teve a amabilidade de me enviar pessoalmente o texto de uma sua entrevista
recente à revista brasileira VALOR, já depois da amiga Rosa Aguiar Furtado me
ter alertado para a importância dessa entrevista.
Uma entrevista que é na
prática uma dupla entrevista, sobre a Síria e como não podia deixar de ser
sobre a já mencionada regressão política que o autoprotegido governo de Michel
Temer vai operando, fazendo o Brasil recuar no tempo vinte ou trinta anos em
matéria de proteção e defesa dos mais desfavorecidos.
Comecemos pela Síria. A
visão de Paulo Sérgio sobre a complexidade do problema, uma espécie segundo ele
de um caleidoscópio em permanente mutação, é serena e oferece-nos uma
perspetiva multifacetada do que está neste momento a passar naquele território.
Mas no seio dessa serenidade emerge claramente a acusação fundamentada de que a
população civil síria não goza neste momento de qualquer proteção política para
lá da ajuda possível no terreno das organizações humanitárias, que vão fazendo
o impossível com a ajuda generosa de
alguns países. A diversidade das forças em conflito e dos interesses que as
movem nessa guerra prolongada constituem a principal razão para a complexidade
e para a quase impossível mediação política do conflito. Apesar disso há
algumas tréguas como o são o acordo de cessar-fogo entre os EUA, a Rússia e a
Jordânia no sul da Síria e o acordo de Astana entre a Rússia, o Irão e a
Turquia que deu origem a quatro zonas de desescalada principalmente dos ataques aéreos. Paralelamente, alguns países vizinhos, como o Líbano que segundo Paulo
Sérgio tem hoje um milhão de refugiados sírios num equilíbrio que é apreciável,
não esquecendo os cerca de seis milhões e meio em deslocamento interno, os
cerca de cinco milhões em países como a Turquia, o Curdistão e o próprio
Líbano.
Na perspetiva de Paulo
Sérgio Pinheiro, face a tal complexidade caleidoscópica a evolução para uma
possível paz será necessariamente lenta e provavelmente com uma sucessão de
avanços e recuos que ninguém consegue prever.
Quanto ao Brasil, a
entrevista é mais dura e contundente, colocando a nu a regressão social e
política que o impeachment de Dilma Roussef potenciou. Mas a variável que mais me
impressionou é a escalada da violência, para o qual o diplomata brasileiro traz
à colação o trabalho do Núcleo de Estudos da Violência que criou na década de
80 na Universidade de S. Paulo. Há números e factos arrepiantes na entrevista:
58.000 mortes violentas em 2015, 221.000 presos sem sentença formada, 700.000
presos, 393 polícias mortos em 2015, dos quais 290 fora de serviço, massacres
de população indígena e camponeses em busca de terra, uma proposta sem êxito de
um deputado para instaurar o trabalho rural gratuito. Uma mescla assustadora.
Perante esta regressão
social e política, uma pergunta se coloca e o próprio Paulo Sérgio Pinheiro faz
dela eco: para quando uma aliança política entre a esquerda brasileira e o
centro político mais progressista do país? Uma boa pergunta para quem tenha
conhecimento suficientemente aprofundado da realidade política brasileira, o
que não é, infelizmente, o meu caso.
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