(A liderança e os principais rostos deste PSD de Montenegro parecem de uma vez por todas querer dar corda aos sapatos, superando os desafios de umas eleições antecipadas que a sobranceria do PS e as incidências da sempre imprevisível justiça portuguesa lhes colocaram nas mãos. Talvez não fosse este o timing desejado para o assalto à alternância democrática. Talvez esperassem contar com uma revelação ainda mais evidente das inconsistências governativas. Montenegro parecia nesse contexto fazer de zombie político, não se percebendo bem o que efetivamente queria. Mas como seria de prever, uma oferta desta natureza não se recusa em qualquer parte do mundo. Ir a eleições com o claro benefício do contexto da alternância e, simultaneamente, ter o partido adversário em escolha de líder, de rumo e de posicionamento não é oportunidade que se desperdice devido a um calculismo tático. Por tudo isto, não fiquei rigorosamente nada surpreendido com o tom do Congresso de ontem e sobretudo com aquela espécie de toque a rebate, trazendo para o ritual os grandes nomes do partido, exceção feita a Passos Coelho e Rui Rio, em modelo de quase apoteose final. A presença esfíngica de Cavaco ao lado de Montenegro vale por todas as palavras possíveis. Como costumo a dizer, o cheiro e a proximidade do poder fazem milagres, são remédios milagrosos para combater a inércia e espevitar ambições. E assim foi. Mas no meio de todo este entusiasmo há matérias analiticamente interessantes para antecipar o que vão ser as eleições de março de 2024 em termos de combate político.)
Uma das notas mais curiosas consistiu no facto do rassemblement de tendências e personalidades ter envolvido obviamente a convocação do que poderíamos designar de “passismo”, mas em simultâneo Montenegro ter feito todas as acrobacias possíveis para tentar apagar os maus fantasmas desse “passismo” e do “ir além da Troika”. A caça às boas graças dos pensionistas e a recuperação plena do tempo de serviço dos professores (Montenegro apressou-se a sublinhar no seu discurso o caráter gradual desta recuperação plena) são bons exemplos desta ginástica – Passos estás connosco mas vamos procurar a todo o custo apagar as tuas más memórias.
E se imaginaram um Montenegro moderado enganaram-se na antecipação. O líder do PSD não hesitou em aderir a tiradas do tipo Correio da Manhã ou a diatribes do tipo Ventura quando considerou que Pedro Nuno Santos era a melhor recuperação do pior do “gonçalvismo” do PREC. O que em termos práticos equivale a admitir que Montenegro nem antevê a hipótese de José Luís Carneiro poder ganhar as eleições primárias no PS. Imagino, assim, um jogo de sombras em que no PS as hostes de PNS procuram a todo o custo formatar o discurso da moderação e no PSD se procura encostar esse mesmo PS a um radicalismo extremo. Pode ser esse, se PNS ganhar a contenda interna, o estranho fio condutor das eleições de março de 2024.
Estamos com manifesta curiosidade em perceber como uma possível estratégia governativa de Montenegro acomodará propósitos expressivos como o de nivelar pensões e salário mínimo ou garantir orçamentalmente a recuperação plena do tempo de serviço dos professores. E estou também curioso em saber o que é que o PSD tem a dizer, além da possível regulação das atividades de lobbying, sobre a reforma do contexto que preside à atração dos grandes projetos de investimento estrangeiro em Portugal.
Mas, de qualquer modo, o Congresso de ontem marca decisivamente o início da campanha eleitoral, o que pode dar ao PSD uma manifesta vantagem de timing. É que nas primárias do PS vai ser obviamente difícil falar simultaneamente para dentro e para fora. Se PNS ganhar a contenda, será de rebentar de riso com o PSD a empurrar o PS para o radicalismo e este a cavalgar a moderação. O primeiro a flexibilizar as “contas certas” e os segundos a proclamar esse princípio como a sua principal realização.
Mas que eleições!
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