quinta-feira, 9 de novembro de 2023

DA BOMBA, AINDA

(cartoons de Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pthttps://observador.pt e Gonçalo Viana, https://www.publico.pt) 

Reajo brevemente ao principal sentido crítico de alguns dos recados amigáveis que me chegaram ao longo das últimas horas por força do meu post “Da Bomba”. A principal ideia-força daqueles aponta para uma certa injustiça que poderei ter cometido em relação a António Costa, afinal o homem que fez e alimentou a “geringonça” que virou a página da austeridade, o negociador exímio que tanto dinheirinho nos trouxe de Bruxelas, o inequívoco vencedor de uma maioria absoluta quando tudo lhe parecia indicar a porta dos fundos, o ideólogo e maestro das “contas certas” que lograram convencer meio mundo de dentro e de fora (não importando com que ajuda, se de Centeno, de Leão ou até de Medina), o político hábil que foi capaz de pôr Marcelo em respeito e na defensiva, isto para só referir acontecimentos recentes da nossa vida pública. Pois bem, caros amigos, a minha verdade nas matérias em causa é a de que não decorrem primordialmente de méritos atribuíveis ao primeiro-ministro que agora nos abandona cada um desses supostos ativos do dito.

 

Sumariamente: a “geringonça” foi filha de uma traição indevida a Seguro, apenas inverteu e escondeu uma austeridade de diferente grau e natureza (embora tendo constituído a dada altura um fonte de respiração social) e, na realidade, ficou bem mais a dever-se a uma inesperada abertura de Jerónimo de Sousa e do PCP do que a um socialista que mais nela não viu do que uma forma de salvaguarda da sua sobrevivência política; os dinheiros de Bruxelas, além de serem essencialmente parte integrante dos acordos comunitários, têm que se lhes diga e provavelmente mais em desfavor de Costa do que o contrário (a burocracia e a inércia do modelo de gestão dos fundos são disso um comprovativo muito evidente, embora não exclusivo); a maioria absoluta resultou de uma improbabilidade que só a ineficácia política de Rui Rio viabilizou em cima da meta ao vir amedrontar tontamente franjas significativas dos portugueses com os riscos vindos de um Chega de que nunca se quis distanciar com clareza; as “contas certas” foram uma engenhosa invenção de Centeno e Leão, concretizada à custa de cativações e degradação dos serviços públicos, com Medina a trazer-lhe novos contornos sequenciais em tempos de uma inflação por demais facilitadora; a habilidade política ficou a nu com as escolhas ministeriais e para altos cargos que foram feitas num primeiro ano de exercício em maioria absoluta que terá batido todos os recordes possíveis de um qualquer anedotário de terceira ou quarta ordem (dispenso-me de trazer à colação as respetivas memórias por meras razões de irreprimível pudor e vergonha alheia) mas com os episódios que andaram em torno de João Galamba a constituírem-se em manifestações inultrapassáveis de mau gosto, garotice e falta de bom senso.

 

É por tudo isto, e por algumas coisas mais que ficam por dizer, que não posso concordar com quem queira continuar a alimentar o mito da existência de dotes e aptidões excecionais num indivíduo que, sendo certamente esperto e perspicaz, demonstrou à saciedade a distância realmente existente entre as suas caraterísticas e um estadismo que nunca nele marcou presença que verdadeiramente se visse.

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