domingo, 1 de setembro de 2013

ONDE SE FALA DE POLÍTICA MONETÁRIA

(Christina Romer e David Romer)

Pelo que se tem lido sobre o modo como Estados Unidos, Reino Unido e zona Euro (com incidência particular na Alemanha e nas posições do BCE) procuram lidar com as dificuldades da economia mundial em consolidar a sua recuperação pós crise Lehman Brothers, não é difícil prever que a política monetária vá continuar a dominar o debate. Ninguém se perfila para assumir frontalmente a perspetiva dos estímulos fiscais via despesa pública, pelo que será nas incidências da política monetária e da atuação dos bancos centrais que estará o foco da discussão.
Entretanto, essa antecipação não deixa em branco duas fortes realidades. Em primeiro lugar, o cenário de taxa de juro nulas ou quase nulas (o já conhecido “zero lower bound”) tenderá a persistir ainda durante algum tempo. Depois, as interligações no contexto da economia mundial estão cada vez mais salientes: a desaceleração do “quantitative easing” do Banco da Reserva Federal americano está a provocar uma série de problemas nas economias emergentes, com ameaças de saída de capitais e eventuais crises de balança de pagamentos nesses países, como pode ser apreendido por artigo do Financial Times.
É, pois, neste contexto que as incidências da política monetária devem ser discutidas.
Christina Romer é uma economista americana a que tenho dedicado muita atenção neste blogue. Primeiro, porque ainda enquanto economista-chefe dos conselheiros económicos de Obama votou vencida por um estímulo fiscal na altura mais intenso do que o governo Obama acabou por aplicar (vencida sabem por quem? Por Lawrence Summers agora na berlinda para uma sucessão do FED que bem pode escapar-lhe). Segundo, porque é uma estudiosa atenta da Grande Recessão de 1930 e da política monetária então praticada e esse período continua a ser na minha perspetiva a grande referência para compreender a situação que temos hoje de enfrentar. Por fim, porque com o seu marido David Romer são grandes especialistas da política monetária nestes contextos.
Está disponível um novo artigo daquela economista, apresentado na Conferência Anual de Macroeconomia do National Bureau of Economic Research deste ano (abril), que sistematiza ideias muito relevantes para compreender o curso da política monetária dos próximos tempos. O pretexto do artigo é a chamada Abeconomics, associada à mudança de política ensaiada pelo governo e banco central japonês para combater a profunda deflação em que a economia japonesa está mergulhada.
C. Romer não tem dúvidas em sustentar que, na economia japonesa, embora existam problemas estruturais a merecer abordagem específica, existe um problema de procura global e por isso é necessário discutir que margem tem o banco central (é de política monetária que estamos a falar e não de estímulos fiscais) para estimular a procura em contextos de taxa de juro nula ou quase nula (zero lower bound).
Ora segundo C.Romer o argumento central tem duas dimensões.
A primeira é que, nestes contextos, o banco central só pode estimular a procura através da gestão de expectativas dos agentes económicos. Por um lado, criar expectativas de inflação para fazer baixar as taxas reais de juro e assim influenciar a despesa de investimento que seja sensível à taxa de juro, aumentando-a. Por outro, criando expectativas de crescimento económico real, e assim impactar as despesas de consumo e de investimento.
A segunda dimensão é que essa operação só será possível se o banco central conseguir uma efetiva mudança de regime de política monetária, uma alteração brusca das suas regras, impactando por essa via as expectativas. Qualquer outra perspetiva de continuidade ou de alterações na margem tenderá a criar expectativas acomodatícias, não suscetíveis de incrementar a procura global.
A economista procura mostrar que a política monetária de Roosevelt se alicerçou por razões circunstanciais numa efetiva mudança de regime de política monetária (que me dispenso aqui de desenvolver), bem mais decisivo do que o tímido estímulo fiscal rooseveltiano e daí o seu êxito na mudança rápida de expectativas que conseguiu atingir. Depois, que a Abeconomics é um flagrante exemplo de “regime shift”.
Que a mudança de regime monetário conseguido por Roosevelt resultou a história económica proporciona essa evidência. Se a Abeconomics resulta por essa via ainda não sabemos.
O que eu retiro daqui é bem simples, mas importante. As condições políticas vigentes nas economias mais desenvolvidas dificilmente concederão espaço ao desejado estímulo fiscal. Mas o défice de procura global só ceguinho não poderá ver. Tendo em conta que o zero lower bound está para ficar mais algum tempo, então a política monetária resta-lhe gerir expectativas e ao argumento de Romer é muito convincente.
Por isso acho que o governo da maioria em vez de se esgotar nas diatribes anti juízes do TC deveria estar a cavalgar e a gerir com pinça expectativas dos agentes económicos em torno dos sinais promissores de recuperação. Talvez uma parte do governo tenha compreendido essa via, o primeiro-ministro e a sua entourage mais próxima nem por sombras o compreenderam.

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