Tal como há um ano, o cordão
humano que hoje percorreu a Catalunha constitui uma manifestação cívica
impressionante de afirmação de identidade e porque não dizê-lo de afirmação de
independência.
Por mais estranho que pareça,
a queda em 1714 de Barcelona perante o cerco das tropas franco-espanholas de
Filipe V depois de uma resistência de cerca de 14 meses está no inconsciente e
no imaginário de muitas daquelas pessoas indiferenciadas que protagonizaram o
cordão humano. Para uma rápida digressão sobre esse dramático acontecimento histórico,
o artigo de Carles Geli no El País de hoje é uma boa companhia.
Mas, paradoxo dos paradoxos,
uma manifestação de força cívica tão impressionante a que nem o governo de
Rajoy poderá ficar indiferente coexiste hoje com uma encruzilhada de grande indeterminação
para o nacionalismo independentista catalão. É verdade que a CiU continua a
revelar apesar dos escândalos financeiros e de corrupção em que tem mergulhado
uma poderosa capacidade de mobilização. No entanto, a impossibilidade prática
de acomodar o projeto nacionalista e independentista no quadro constitucional
espanhol (afinal o direito de secessão não poderia nunca ser outorgado por esse
quadro institucional que procurou preservar na medida do possível a única via
possível, a da Espanha das nações) lança inevitavelmente o projeto nacionalista
num autêntico cul de sac. A luta
obstinada por um referendo provavelmente centrado num sim ou não à independência
lançará a Catalunha e a própria Espanha numa situação de difícil concertação
política.
Artur Mas será provavelmente
uma das piores lideranças que a CiU logrou colocar no centro das operações. A
situação é complexa e contraditória. Enquanto negoceia com Rajoy não se sabe
bem o quê, um dos seus membros do governo regional (o Conselheiro da Cultura Ferran
Mascarell i Canalda) declara alto e bom som que a Espanha é uma anomalia histórica,
o que diz bem da instabilidade no próprio seio da Generalitat que toda esta
situação tem vindo a criar.
A história tem destas
coisas: o problema catalão rebenta na mão de um poder cuja força política que
governa, o PP, sempre teve dificuldade em assumir o projeto constitucional da
Espanha das nações.
E para apimentar tudo isto o
Aeroporto de Barcelona ultrapassou pela primeira vez na história o tráfego do
aeroporto de Madrid em profundo declínio, batendo todos os seus records de
movimento de passageiros. Em paralelo com tudo isto, as redes sociais
espanholas gozam até à exaustão com o inglês do discurso de Ana Botella (a
senhora Aznar), presidente da Câmara de Madrid, ele (discurso) próprio a evidência
mais trágica de que Madrid já não “vende”. Um grande lio está aqui formado e não
me parece que o centralismo do PP, depauperado com as más companhias de
ex-tesoureiros, tenha habilidade política e diplomática para adocicar o
nacionalismo independentista. Que falta nos faz Manuel Vásquez Montalbán, na
pele ou não do empedernido catalão Pepe Carballo, para nos ajudar a compreender
tudo isto.
Carvalho. Pepe Carvalho. Galego de origem, catalão de vida e coração, universal de espírito.
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