quarta-feira, 25 de setembro de 2013

O GEÓGRAFO TOTAL


O Álvaro Domingues é um daqueles amigos que de vez em quando encontro onde menos espero. Foi o caso por estes dias quando escutava, quase em ruído de fundo, o fórum autárquico que a TSF de Paulo Baldaia tem vindo a realizar pelas capitais de distrito. No caso, a emissão vinha de Bragança e o Álvaro era um dos comentadores-convidados.

Vale a pena ouvir a emissão integral, cuja gravação está no site da TSF. Não obstante, aqui quero deixar um pequeno appetizer com a reprodução de dois excertos, o primeiro reagindo a uma pergunta direta – “receia que um dia destes os decisores políticos, aqui ou em Bruxelas ou em Berlim, considerem que o nosso interior é dispensável?” – e o segundo numa intervenção conclusiva final.

· “Já o fizeram. O que eu acho, e na intervenção de Jorge Humberto em Mirandela isso estava muito claro, é esta tensão que se está a cavar entre uma ideia de política – se é para o território, se é para a sociedade. Quando falamos em Trás-os-Montes ou Beira Baixa, estamos a falar em territórios. Habitualmente, quando falamos em política, estamos a falar de cidadãos – ou ‘cidadões’, com diz o nosso Presidente – e estamos a fazer de conta que esses cidadãos se inscrevem num determinado território, mas ponto final. E ele acusa uma questão muito clara que está a vir ao de cima, que é quase um problema de neocolonialismo, com a questão da eletricidade. Isto é, falar de território permite falar de problemas sociais territorializados, localizados em determinados territórios, falar de território significa não falar de economia em abstrato ou de empresas em abstrato, significa fulanizar, situar. E ele dizia: ‘porque não, então, se nós precisamos de políticas de discriminação positiva para atrair investimento, porque não termos umas tarifas elétricas mais simpáticas?’ Ora aí esta uma ideia que me parece que tem lógica. Acontece que a EDP é chinesa, ao que se sabe. E este é que é o drama.

· “Os tempos que correm, para além da trepidação e das dúvidas, fazem com que as soluções tenham de ser desenhadas muito perto das questões. Porque é muito difícil reproduzir coisas que num lugar funcionaram e noutro não funcionaram. Isto exige um bisturi e uma configuração, um desenho de políticas muito mais próximo da realidade. Isto pode parecer contraproducente quando nos dizem que tudo é global – exatamente porque tudo é global as lógicas de ajustamento global têm de ser lógicas de grão fino, porque senão serão irremediavelmente esmagadas por essas outras coisas que nós não dominamos. Portanto, outra arquitetura política e administrativa, outra maneira de os municípios se relacionarem com os cidadãos, de os municípios se relacionarem entre si. E, sobretudo, as ditas direções regionais, que nos parecem ausentes ou reduzidas a burocratas que estão a assinar coisas e que nem sequer sabem onde as terras são. Portanto, é preciso de facto fazer qualquer coisa para nós termos um discurso mais positivo e baseado em ideias muito claras e não andarmos sempre à volta das generalidades do interior, do despovoamento… Creio que isso que resultou, que se percebeu muito desta conversa. Portanto isso requer, obviamente, uma geração de autarcas que será completamente diferente da outra geração, com que, de resto… Eu uma vez disse ‘não chorar sobre betão derramado’, nessa altura era tão consensual, tudo isso, ponto final, acabou esse ciclo, não vale a pena estar a chorar porque não resolve nada. Nós agora provavelmente não temos é crianças para a piscina, temos a escola fechada, temos é de pensar novos programas para esses edifícios, reabitá-los, pensar soluções, em vez de estarmos constantemente a fazer um discurso de lamentação.

Sempre tão provocatoriamente lúcido…

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