Durante a presente campanha autárquica no Porto, deparei-me com alguma gente jovem – sobretudo aquela que genericamente prefere a programação da “Fox Life” aos canais informativos, desportivos ou cinematográficos – a espantar-se com os cartazes de candidatura de Rui Moreira mais ou menos nestes termos: “olha o mr. Dunphy, o que está ele a fazer nestas eleições?”.
Pois bem, esse homem que se assemelha a um dos protagonistas da conhecida e muito premiada (14 Emmys, p.e.) série americana “Modern Family” (por cá, sempre concisos e rigorosos, resolvemos chamar-lhe “Uma Família Muito Moderna”), Phil Dunphy (Ty Burrell na vida real), é o novo presidente eleito da Câmara Municipal do Porto.
Os comentadores embandeiram em arco com a nova manifestação de heroicidade vinda do “velho burgo”. E mesmo alguns dos mais insuspeitos, como Marinho e Pinto (“Viva o Porto!”) ou Pedro Santos Guerreiro (“A cidade nação”), não lhe regateiam loas. Vejamos a coisa um pouco mais de perto, todavia, já que “nem tudo o que luz é ouro”.
Um: a vitória de Rui Moreira tem mérito pessoal indiscutível, um mérito que advém da sua ambição, da sua vontade e do seu esforço. Dois: a vitória de Rui Moreira tem o mérito político, igualmente indiscutível, que normalmente provem da adoção de um posicionamento estratégico, mesmo quando o mesmo possa ter sido excessivamente orientado para o resultado e assim levado a que tivesse de “dar o dito por não dito” ou de “engolir sapos”. Três: a vitória de Rui Moreira decorre também de uma circunstância de grave crise nacional, muito fortemente impactante nesta região, e do correspondente autismo a propósito evidenciado pelo PSD e pelo seu desajeitado candidato. Quatro: a vitória de Rui Moreira parece mas não é uma consagração do “génio” de Rui Rio, sobretudo porque o balanço dos três mandatos deste é confrangedor para quem conheça minimamente por dentro “o sítio”. Cinco: a vitória de Rui Moreira significa a estrondosa derrota do inenarrável e enquistado aparelho local do PS, corroído pelos interesses pequeninos da pequenina corrupção e pela flagrante incompetência longamente patenteada pela maioria dos dirigentes nacionais originários do Porto. Seis: a vitória de Rui Moreira põe a nu o taticismo sem princípios do CDS/PP, um partido que é inteiramente corresponsável pela governação nacional mas que tanto é capaz de defender as propostas despesistas de coligações com o PSD (Lisboa foi um caso gritante) como de se demarcar das propostas despesistas de outros candidatos escolhidos pelo seu parceiro PSD (Menezes foi outro caso gritante). Sete: a vitória de Rui Moreira representa, quase paradoxalmente, o estertor de uma certa elite portuense que não soube ser atuante e corajosa em tempo próprio e oportuno, procurando agora espernear de qualquer maneira para dar derradeiras provas de vida (e coerência!).
Quereria entretanto acrescentar uma nota de maior autocentramento para confessar humildemente quanto errei nas minhas previsões sobre a matéria em causa. Objetivamente errei ao não ter percebido que havia tropas relevantes no PSD do Porto para além de Marco António, Ricardo Almeida e Virgílio Macedo. Objetivamente errei ao não ter valorizado a dimensão do afastamento político que já atinge as franjas mais pobres e excluídas da população. Objetivamente errei ao não ter compreendido que era ainda importante o peso da esperança numa alternativa de diferença transportado por camadas significativas da classe média e da intelectualidade portuense.
Rui Moreira vai ser presidente da Câmara do Porto, portanto. Com seis vereadores ao seu lado e sete eleitos por listas de partidos (3 do PS, 3 do PSD e 1 da CDU) – quem irá ser a muleta capaz de proporcionar uma estabilidade governativa ao novo executivo e a que preço? Por outro lado, a inteligência, combatividade e capacidade de trabalho do novo edil são augúrios de que dispõe de condições para realizar um bom mandato, o que será tanto mais realidade quanto mais conseguir libertar-se da sombra do seu antecessor em que se quis inicialmente abrigar – uma libertação mais necessariamente assente na ação do que nas palavras e para a qual poderá contar com a ajuda de gente cujo dedo já foi visível na campanha, como os simbólicos Paulo Cunha e Silva e Rui Losa.
Por fim, e para eventual memória futura, aqui deixo um excerto do panfleto premonitório (“Porto, Ganhar e Cumprir”) que esta manhã ainda fui descobrir na minha caixa de correio e em que Rui Moreira vinha solicitar o voto dos portuenses. Com as doze “promessas” que abaixo constam e integram o Bolhão, o Rivoli e Campanhã, mas também as pequenas e médias empresas e o comércio tradicional ou a revitalização dos bairros sociais e um fundo de emergência social. E ainda resta a curiosidade de virmos a saber o que vai acontecer ao circuito da Boavista, ao bairro do Aleixo, ao Palácio de Cristal e a outros dossiês polémicos herdados, com a honrosa exceção da mais que certa celebração institucional do tetra azul-e-branco esperado para maio próximo…
Sem comentários:
Enviar um comentário