Cada entrevista de Anabela Mota Ribeiro é um
documento ímpar de uma nova perspetiva sobre nós, país a precisar de um rumo,
pela voz desalinhada e contra a corrente dos que estão para além do folclore da
comunicação e do marketing para estrangeiro ver e que são resilientes por ser
autênticos, simplesmente autênticos.
A entrevista de hoje com o escultor Alberto
Carneiro reencontra-nos com as raízes da terra e da natureza.
Alguns pequenos excertos.
AMR: “Se me apresentasse a cerejeira, como se
apresenta uma pessoa, diria o quê? Sólida, sonhadora, altiva?”
AC: “As árvores têm uma
personalidade. Tenho uma relação visceral com elas. Diria que era uma árvore
elegante. Mais feminina do que masculina. As formas eram redondas, suaves.
Apelava ao tacto. Casca rugosa e macia, pouco acidentada. Os acidentes provocam
sensações”.
AMR: “Essa essência que procura é aquilo a que o
Pina, no poema, chama “o primeiro, o incriado?”
AC: “Exacto. O incriado está sempre lá. Como
princípio, como qualquer coisa que se vai revelar. Em rigor, nunca se revela na
totalidade. O artista nunca acaba a sua obra. Quando nos debruçamos sobre a
obra de um artista, vemos que do primeiro ao último momento ele andou à volta, à
procura, à procura. E encontrou sempre alguma coisa. Brancusi, Giacometti,
Miguel Ângelo, Berrnini: vemos a obra e percebemos que é uma busca. Uma busca
que não termina. Infelizmente a pessoa foi-se embora. Outro vai retomá-la.
AMR: “Para voltar ao poema de Manuel António
Pina; “A mão é uma árvore crescendo para dentro”. Em direção à raiz, ao que está
sedimentado?”
AC: “Sim. Só
justificamos a nossa compreensão da vida através dessa memória, desse
enraizamento dessa coisa que anda dentro. Que anda e que continua a crescer
dentro. Tudo se estabelece por relação. Nada vive sozinho. Uma coisa é grande
porque temos uma pequena. É larga porque temos uma estreita. O fundamental,
todos sabem, é a diferença. Não é a semelhança.”
Alguém editará algum dia os ecos e
memórias da sueca a quatro: Alberto Carneiro, Manuel António Pina, Arnaldo
Saraiva, Joaquim Vieira?
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