É estranho falar de uma praça e de uma cidade que
nunca se visitou, da qual nunca se sentiram as diferenças de ritmo e de luz ao
longo do dia.
Mas o que se tem passado em Istambul ilustra em
meu entender a incapacidade que o Ocidente em geral, primeiro a sociedade
americana e nos últimos tempos a europeia também, para compreender o que se
passa noutras culturas.
Nos meus registos intermitentes sobre esta perigosa
incapacidade, fruto de uma ocidentocêntrica visão do mundo, está o choque que a
sociedade americana e todo o ocidente experimentaram com a emergência da
revolução islâmica no Irão. Convictos que a ocidentalização do Irão estava em
curso, as imagens pujantes das grandes manifestações dos vultos negros,
massivas, ululantes, perturbaram a convicção de então. Afinal havia uma base
religiosa oculta, silenciosa, que resistira à influência
pseudo-ocidentalizante. Os rumos que a revolução iraniana veio a tomar mais
agravou essa incapacidade de perceber a sociedade e hoje, apesar de algum
cinema iraniano, ter contribuído para uma visão menos preto e branco da
sociedade iraniana, a sensação que fica é que a não continuamos a perceber.
Um outro registo, bem mais recente, identifica-se
com os mitos de interpretação que as “primaveras árabes”, sobretudo a egípcia e
a tunisina, suscitaram em grande parte do pensamento político e mediático
ocidental. O acompanhamento relativamente regular que as minhas leituras
furtivas da New Yorker me
proporcionaram foi-me sugerindo a ideia, ainda não plenamente confirmada mas
com grande probabilidade de o vir a ser, de que após o cair da poeira a maior
estruturação das forças políticas islâmicas, ainda que não radicais, tenderá a
emergir e a ocupar o vazio da queda dos regimes ditatoriais. A dúvida será se
emergirão regimes teocráticos ou se versões mais matizadas. Mas a verdade é que
não se vislumbram alternativas estruturadas nos meios não islâmicos. A
incompreensão ocidental persiste.
Istambul e a Turquia em geral representam um
exemplo de “primavera” de teor diverso, tudo indica de resistência contra o não
balanceamento do equilíbrio, instável, que tem caracterizado a Turquia moderna
entre a islamização potencial e a proximidade cultural e urbana ao ocidente. Tenho
a sensação de que, estando a Europa e a UE em particular na berlinda, a questão
turca constituirá uma rara oportunidade para o ocidente acertar de vez com a
transformação destas sociedades. Afinal, a questão do pedido de adesão turca
continua embrulhado, as instituições europeias continuam a não revelar coragem
para uma discussão aberta do problema. Será que estaremos condenados a não
compreender para todo o sempre o não-ocidente?
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