segunda-feira, 10 de agosto de 2020

O MUNDO ESTÁ A MINGAR?



(O Guardian semanal é um bom repositório de leitura e pena é que a semana seja demasiado pequena para saborear com calma e distensão o mundo de informação que o suplemento nos traz, fazendo jus à qualidade daquele prestigiado órgão de informação no qual a esquerda resiliente continua a confiar. O número que cobre a primeira semana de agosto traz-nos uma reflexão inquietante sobre uma data, 2064. Estima-se que a partir dessa data a população mundial comece finalmente a diminuir).

As previsões demográficas são uma espécie de caixa de pandora que todos gostam de abrir, mas que poucos estão preparados para relativizar o seu alcance.

Durante largo tempo, e recordo-me que eu próprio nas aulas de subdesenvolvimento me dava um certo gozar mexer com os números das previsões à escala mundial, as estimativas demográficas traçaram os piores cenários possíveis em torno da explosão demográfica e da “sobrepopulação”. Os piores horizontes possíveis em termos de escassez derivada dos recursos, pressão sobre os recursos naturais, fome, miséria, pobreza absoluta foram formulados e sistematicamente revistos, à espera que o fantasma de Malthus ressuscitasse e nos viesse apoquentar os espíritos. A tal explosão não deixou de acontecer, os efeitos sobre a pobreza e a pressão sobre os recursos não deixaram de se produzir, mas a globalização e a disseminação do progresso tecnológico, por mais desigual que se apresente, ajudou a mitigar muitos dos cenários mais negros.

Mas o mundo demográfico foi mudando e, por mais desigual que a disseminação do desenvolvimento económico e social se processe, a verdade é que o desenvolvimento contém dentro de si e liberta forças que são contrárias a um crescimento demográfico descontrolado. Mesmo não ignorando que o desenvolvimento tende a reduzir consideravelmente os níveis de mortalidade total e infantil (que o diga Portugal) e, que por essa via, potencie o crescimento natural, o desenvolvimento liberta forças que reduzem esse mesmo crescimento natural. Há quem diga que o melhor contracetivo é a educação das mulheres e a facilitação da sua entrada na vida ativa e no mundo do trabalho. Mas não só o estatuto da mulher melhorou (apesar dos atrasos civilizacionais que é ainda necessário superar), como a qualidade e acessibilidade dos contracetivos viveram uma autêntica revolução.

A taxa de fertilidade total tem-se reduzido drasticamente a partir do momento em que a mulher lutou por um outro reconhecimento da sua importância social e papel na progressão social. Mesmo os países escandinavos que parecem reunir o melhor dos mundos possíveis em termos de favorecimento da fertilidade conseguiram resultados relativamente modestos em termos de inversão da queda dessas taxas. Michael Safi, no Guardian Weekly, dá conta de uma promessa do autocrata Victor Orbán segundo a qual as mulheres com quatro ou mais filhos ficarão isentas de IRS para toda a vida. E a questão não é para menos pois o leste europeu tem talvez o problema demográfico mais agudo.

O controlo da fertilidade por parte da mulher representa uma alteração civilizacional de grande alcance, a qual tem sido acompanhada nos últimos tempos pela degradação sensível das condições de vida das classes médias urbanas e pela queda de alguns pilares do Estado Social, reduzindo também por essa via a fertilidade e o número de filhos por casal.

2064 está aí à porta, os meus netos andarão todos pelos cinquenta nessa altura, e estimam as últimas previsões que integram o novo panorama prospetivo da fertilidade que a partir dessa data a população mundial começará a descer. Claro que alguns países continuarão a revelar-se colossos demográficos, mas o momento global apontará para o declínio. E isso é um horizonte para o qual não estamos preparados, tão recordados ainda estamos das visões mais catastróficas da sobrepopulação. Quer isso dizer que também as migrações internacionais poderão a partir dessa data perder dinâmica.

Seguramente que a data deste pico vai se alterar ao longo das inúmeras atualizações que virão à luz do dia. Assim aconteceu com as previsões em torno da sobrepopulação, não havendo razões plausíveis que justifiquem a sua não ocorrência para o declínio.

O que parece importante destacar é que este movimento de declínio é anunciado pela própria influência endógena do desenvolvimento.

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