(O Guardian semanal é um bom repositório de leitura e
pena é que a semana seja demasiado pequena para saborear com calma e distensão
o mundo de informação que o suplemento nos traz, fazendo jus à qualidade daquele
prestigiado órgão de informação no qual a esquerda resiliente continua a
confiar. O número que cobre a primeira semana de agosto traz-nos
uma reflexão inquietante sobre uma data, 2064. Estima-se que a partir dessa
data a população mundial comece finalmente a diminuir).
As previsões demográficas são uma espécie de caixa de pandora que todos
gostam de abrir, mas que poucos estão preparados para relativizar o seu
alcance.
Durante largo tempo, e recordo-me que eu próprio nas aulas de
subdesenvolvimento me dava um certo gozar mexer com os números das previsões à
escala mundial, as estimativas demográficas traçaram os piores cenários
possíveis em torno da explosão demográfica e da “sobrepopulação”. Os piores
horizontes possíveis em termos de escassez derivada dos recursos, pressão sobre
os recursos naturais, fome, miséria, pobreza absoluta foram formulados e sistematicamente
revistos, à espera que o fantasma de Malthus ressuscitasse e nos viesse
apoquentar os espíritos. A tal explosão não deixou de acontecer, os efeitos
sobre a pobreza e a pressão sobre os recursos não deixaram de se produzir, mas
a globalização e a disseminação do progresso tecnológico, por mais desigual que
se apresente, ajudou a mitigar muitos dos cenários mais negros.
Mas o mundo demográfico foi mudando e, por mais desigual que a disseminação
do desenvolvimento económico e social se processe, a verdade é que o
desenvolvimento contém dentro de si e liberta forças que são contrárias a um crescimento
demográfico descontrolado. Mesmo não ignorando que o desenvolvimento tende a
reduzir consideravelmente os níveis de mortalidade total e infantil (que o diga
Portugal) e, que por essa via, potencie o crescimento natural, o
desenvolvimento liberta forças que reduzem esse mesmo crescimento natural. Há
quem diga que o melhor contracetivo é a educação das mulheres e a facilitação
da sua entrada na vida ativa e no mundo do trabalho. Mas não só o estatuto da
mulher melhorou (apesar dos atrasos civilizacionais que é ainda necessário
superar), como a qualidade e acessibilidade dos contracetivos viveram uma
autêntica revolução.
A taxa de fertilidade total tem-se reduzido drasticamente a partir do
momento em que a mulher lutou por um outro reconhecimento da sua importância
social e papel na progressão social. Mesmo os países escandinavos que parecem
reunir o melhor dos mundos possíveis em termos de favorecimento da fertilidade
conseguiram resultados relativamente modestos em termos de inversão da queda
dessas taxas. Michael Safi, no Guardian Weekly, dá conta de uma promessa do
autocrata Victor Orbán segundo a qual as mulheres com quatro ou mais filhos
ficarão isentas de IRS para toda a vida. E a questão não é para menos pois o
leste europeu tem talvez o problema demográfico mais agudo.
O controlo da fertilidade por parte da mulher representa uma alteração
civilizacional de grande alcance, a qual tem sido acompanhada nos últimos
tempos pela degradação sensível das condições de vida das classes médias
urbanas e pela queda de alguns pilares do Estado Social, reduzindo também por
essa via a fertilidade e o número de filhos por casal.
2064 está aí à porta, os meus netos andarão todos pelos cinquenta nessa
altura, e estimam as últimas previsões que integram o novo panorama prospetivo
da fertilidade que a partir dessa data a população mundial começará a descer.
Claro que alguns países continuarão a revelar-se colossos demográficos, mas o
momento global apontará para o declínio. E isso é um horizonte para o qual não
estamos preparados, tão recordados ainda estamos das visões mais catastróficas
da sobrepopulação. Quer isso dizer que também as migrações internacionais
poderão a partir dessa data perder dinâmica.
Seguramente que a data deste pico vai se alterar ao longo das inúmeras
atualizações que virão à luz do dia. Assim aconteceu com as previsões em torno
da sobrepopulação, não havendo razões plausíveis que justifiquem a sua não
ocorrência para o declínio.
O que parece importante destacar é que este movimento de declínio é
anunciado pela própria influência endógena do desenvolvimento.
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