Anda novamente por aí o espectro do “canalizador polaco” invadindo a Europa, injetando nela o vírus do dumping social e conduzindo os bloody immigrants a privarem de trabalho os genuínos europeus. Em 2005, aquando dos referendos sobre a Constituição da União Europeia (UE), fora a polémica em torno da liberalização do mercado dos serviços a dominar a cena política e a ganhar a correspondente expressão institucional (“directiva Bolkestein”). Agora é a questão dos “trabalhadores destacados” – trabalhadores empregados num país da UE diferente do seu país de origem mas em condições sociais que podem ser inferiores às deste, uma realidade que a Polónia lidera distanciadamente através de uma saída anual para desempenho de atividade no estrangeiro estimada em 250 mil cidadãos nacionais – a vir ao de cima perante a evidência de crescentes riscos populistas num quadro de aproximação das eleições europeias.
As regras comunitárias que permitem a um cidadão da UE ir trabalhar para outro país foram definidas em 1996 (“diretiva dos trabalhadores deslocados”) com o objetivo de enquadrar a deslocação de trabalhadores dentro da UE (no essencial, aplicação do salário e das condições de trabalho do país de acolhimento aos trabalhadores destacados e possibilidade de os empregadores pagarem cotizações sociais ao país de origem – atente-se na comparação entre os 45% de nível de encargos sociais em França e os 13% na Roménia, 17% na Eslovénia e 21% na Polónia). Mas o advento da crise viria a consagrá-las como um instrumento útil para permitir que muitas empresas (sobretudo em sectores como a construção civil, a indústria, o trabalho temporário, a agricultura e os transportes) levem a cabo práticas variadas de abuso e distorção da concorrência (salários, contribuições sociais, tempos de descanso, condições de trabalho, condições de alojamento).
A França e a Bélgica encabeçaram o ataque à questão no quadro europeu, no que foram secundadas pela Alemanha (não por acaso os três países mais afetados pelo fenómeno – que envolve já um milhão e meio de pessoas na UE –, respetivamente com 144 mil, 125 mil e 300 mil declarantes oficiais em 2011): denunciaram o dumping social dentro da UE, defenderam o reforço do controlo e da repressão dos subcontratantes pouco respeitadores e propuseram à Comissão a revisão da diretiva. Do outro lado, encontraram a oposição do Reino Unido e da grande maioria dos países membros da Europa Central e Oriental, mas a longa e dura negociação terminou com os polacos a subscreverem um inesperado compromisso de reforço da diretiva (havendo quem refira contrapartidas associadas a uma entrada no capital da companhia aeroespacial EADS).
Este assunto, que vai bem bater aos fundamentos últimos da integração europeia, ainda irá dar muito que falar. E importa sublinhar quanto ele também nos diz significativo respeito, para o que bastará lembrar o enorme peso relativo evidenciado pelos trabalhadores destacados portugueses (segundo lugar em França, p.e., atrás dos polacos e à frente de romenos, alemães, espanhóis, italianos e búlgaros), a recente denúncia do primeiro-ministro belga Di Rupo dos 2,06 euros por lá pagos a trabalhadores portugueses a título de salário horário ou a exploração do tema pelo “Le Figaro” com referência a um sintomático maçon portugais...
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