(Fotografia de Nuno Ferreira Santos para o Público)
Mesmo aplicando a taxa de desconto necessária
pela carga de veneno, elitismo e arrogância intelectual destilados desde sempre
pela pena de Vasco Pulido Valente, a crónica de hoje no Público carrega consigo
carradas de razão quanto a uma pretensa unidade da esquerda. Curiosamente, a crónica
a que me refiro arrisca-se a ser uma não crónica, pois Manuel Carvalho da Silva
apressou-se a desmentir que pretendia organizar efetivamente o movimento de
esquerda de que os jornais fizeram eco.
De facto, embora estando sempre disponível para
discutir com esse espaço político temas que o PS da governação tem dificuldade
em acolher na sua reflexão interna, sou dos que pensa que essa unidade é
praticamente impossível, não do ponto de vista da criação de plataformas de
protesto, mas antes em termos de plataformas de governação alternativa à alternância
PSD-PP versus PS. E as razões para essa impossibilidade prendem-se sobretudo
com a natureza fortemente “path-dependency”
(dependente do percurso) da formação da esquerda em Portugal. Essa dependência
de percurso é aliás brilhantemente exposta por Pacheco Pereira no seu artigo de
ontem do Público sobre a comemoração dos 40 anos do Congresso da Oposição
Democrática realizado em Aveiro.
O PCP pode de quando em vez dar mostras de alguma
abertura e de unidade na ação, mas bem lá fundo não está interessado em perder
o seu poder de projeção da carga de protesto, que tão bem capitaliza desde as
autárquicas até às legislativas. Penso por outro lado não ser possível qualquer
plataforma convergente sobre a questão europeia entre os que se colocam na
perspetiva do aprofundamento do projeto europeu com a consequente perda de
soberania, como por exemplo o pensamento em torno do Livre o ilustra e os que continuam
a ver na União Europeia aprofundada uma versão modernizada da opressão do
capital. O posicionamento perante as próximas eleições europeias constituirá um
teste decisivo para esta matéria, pois dificilmente nos próximos tempos haverá
melhor contexto para construir essa plataforma, que tem de ter forçosamente as
políticas de austeridade descontrolada como o grande objeto de denúncia. O
mesmo se diga em relação ao posicionamento de Portugal no projeto do Euro. Tenho
ainda grande relutância em acreditar que a esquerda de que falo seja capaz de
propor ao país uma plataforma de governação e um projeto credível e exequível
nas condições atuais da economia mundial para Portugal. Poderá então
perguntar-se o que é que resta a esta esquerda?
Penso que o seu papel estará numa certa “guerrilha”
de pensamento político para a ação governativa, trabalhando em determinados nichos
de governação (fiscalidade, políticas sociais e redistributivas, por exemplo) e
conseguindo que o PS de poder se abra a esse tipo de reflexão mais aberta e fundamentada
do que o PS consegue internamente realizar.
E, convenhamos, que se o conseguir não será coisa
pouca.
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