quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

ATENÇÃO AO ACORDO MURRAY-RYAN NOS STATES



O acordo orçamental assinado esta semana entre Democratas e Republicanos, representados respetivamente pela Presidente do Comité Orçamental do Senado Patty Murray e pelo Presidente de idêntico Comité do Congresso Paul Ryan (acordo Murray – Ryan) teve pouco eco em Portugal. Mas conviria que prestássemos alguma atenção ao conjunto de análises e comentários que o acordo suscitou, pois eles incidem no único acordo relevante e merecedor de atenção no plano político mundial entre defensores da austeridade (o velho grande Partido Republicano) e os seus críticos (imperfeitamente representados pelos Democratas). Nessa perspetiva, o acordo constitui um farol para possíveis acordos de governação que poderão ser concretizados entre forças políticas situadas nos dois lados da divisória da austeridade.
Via Mark Thoma (Economist’s View é o blogue económico mais sistemático e compreensivo que conheço, um verdadeiro repositório do que importante se escreve na blogosfera económica), Kevin Drum no Mother Jones não está com meias medidas e afirma: “A guerra em torno da austeridade acabou. Os Republicanos ganharam”.
Pela informação que consegui recolher em tão reduzido espaço de tempo e ainda sem acesso a artigos mais aprofundados sobre o tema, a conclusão de Drum tem algo de consistente, pois os Republicanos conseguem através desta negociação limitar a ação da despesa pública discricionária que a administração Obama poderá realizar e o que parece mais escandaloso consegue bloquear toda as tentativas democratas de corrigir vazios ou incongruências fiscais (os célebres loopholes) que beneficiam os estratos superiores de rendimento na sociedade americana (por exemplo as deduções fiscais que beneficiam os compradores de jatos privados).
A análise de John Cassidy (um dos meus cronistas favoritos da economia e política americanas) na New Yorker parece mais equilibrada, pois embora reconhecendo que os Republicanos estão a conseguir impor uma norma de despesa pública bem mais baixa do que o fortalecimento da economia americana exigiria, não deixa de considerar que estamos perante um acordo que consegue pelo menos suprimir a ameaça de um novo apagão orçamental a curto-médio prazo. Na verdade, na sequência da maratona negocial realizada em cima do apagão orçamental de há poucos meses, os Republicanos tinham conseguido impor um sequestro fiscal de grandes proporções, limitando a despesa pública federal em limites bem apertados para certos domínios de despesa. Mas trata-se de um ganho modesto e que deixa algumas interrogações preocupantes quanto à margem de manobra que a próxima luta política eleitoral terá para propor aos americanos opções de política fiscal a mais longo prazo. Por exemplo, o limite superior para 2014 de 1.012 milhões de milhões de dólares para a despesa pública (excluindo as despesas do Medicare, da Segurança Social e dos juros da dívida pública) terá ficado acima do que os Republicanos veicularam para a negociação, mas curiosamente abaixo do próprio limite que o signatário Paul Ryan havia proposto em 2011 (1.039 milhões de milhões de dólares) no seu próprio plano para diminuir o défice e controlar a evolução da dívida pública.
O facto para mim mais chocante é que a irredutibilidade fiscal dos Republicanos determinou no acordo que fosse recusada a extensão dos benefícios de desemprego para os desempregados de longa duração, que são apenas as principais vítimas dos efeitos devastadores da Grande Recessão. Cassidy estima que o cumprimento dessa irredutibilidade determinará que os Democratas assinem por baixo a perda de apoios para cerca de 1 milhão e trezentos mil desempregados americanos. Obama bem pode pregar com a sua arrasadora oratória a trágica perda da mobilidade ascendente que trama neste momento a sociedade americana, mas se nada for feito a última parte do seu mandato ficará ligada a uma das mais devastadoras suspensões de apoios sociais de que há memória nos Estados Unidos. Os Democratas conseguem suspender cortes no Medicare e na Segurança Social, mas a não extensão dos apoios aos desempregados de longa duração arrepia qualquer um com sensibilidade social.
Um acordo é um acordo, mas é trágico que os representantes inequívocos do 1% mais rico da sociedade americana defendam melhor os interesses dos seus apaniguados e financiadores do que os Democratas conseguem defender os desprovidos de qualquer defesa. Será que todos queremos viver num mundo destes?

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