O acordo orçamental assinado esta semana entre Democratas
e Republicanos, representados respetivamente pela Presidente do Comité
Orçamental do Senado Patty Murray e pelo Presidente de idêntico Comité do
Congresso Paul Ryan (acordo Murray – Ryan) teve pouco eco em Portugal. Mas
conviria que prestássemos alguma atenção ao conjunto de análises e comentários
que o acordo suscitou, pois eles incidem no único acordo relevante e merecedor
de atenção no plano político mundial entre defensores da austeridade (o velho
grande Partido Republicano) e os seus críticos (imperfeitamente representados
pelos Democratas). Nessa perspetiva, o acordo constitui um farol para possíveis
acordos de governação que poderão ser concretizados entre forças políticas
situadas nos dois lados da divisória da austeridade.
Via Mark Thoma (Economist’s View é o blogue económico mais sistemático e
compreensivo que conheço, um verdadeiro repositório do que importante se
escreve na blogosfera económica), Kevin Drum no Mother Jones não está com meias medidas e
afirma: “A guerra em torno da austeridade acabou. Os Republicanos ganharam”.
Pela informação que consegui recolher em tão
reduzido espaço de tempo e ainda sem acesso a artigos mais aprofundados sobre o
tema, a conclusão de Drum tem algo de consistente, pois os Republicanos
conseguem através desta negociação limitar a ação da despesa pública discricionária
que a administração Obama poderá realizar e o que parece mais escandaloso
consegue bloquear toda as tentativas democratas de corrigir vazios ou incongruências
fiscais (os célebres loopholes) que
beneficiam os estratos superiores de rendimento na sociedade americana (por
exemplo as deduções fiscais que beneficiam os compradores de jatos privados).
A análise de John Cassidy (um dos meus cronistas
favoritos da economia e política americanas) na New Yorker parece mais equilibrada, pois embora reconhecendo que os
Republicanos estão a conseguir impor uma norma de despesa pública bem mais
baixa do que o fortalecimento da economia americana exigiria, não deixa de
considerar que estamos perante um acordo que consegue pelo menos suprimir a
ameaça de um novo apagão orçamental a curto-médio prazo. Na verdade, na sequência
da maratona negocial realizada em cima do apagão orçamental de há poucos meses,
os Republicanos tinham conseguido impor um sequestro fiscal de grandes proporções,
limitando a despesa pública federal em limites bem apertados para certos domínios
de despesa. Mas trata-se de um ganho modesto e que deixa algumas interrogações
preocupantes quanto à margem de manobra que a próxima luta política eleitoral
terá para propor aos americanos opções de política fiscal a mais longo prazo. Por
exemplo, o limite superior para 2014 de 1.012 milhões de milhões de dólares para
a despesa pública (excluindo as despesas do Medicare, da Segurança Social e dos
juros da dívida pública) terá ficado acima do que os Republicanos veicularam
para a negociação, mas curiosamente abaixo do próprio limite que o signatário Paul
Ryan havia proposto em 2011 (1.039 milhões de milhões de dólares) no seu próprio
plano para diminuir o défice e controlar a evolução da dívida pública.
O facto para mim mais chocante é que a irredutibilidade
fiscal dos Republicanos determinou no acordo que fosse recusada a extensão dos
benefícios de desemprego para os desempregados de longa duração, que são apenas
as principais vítimas dos efeitos devastadores da Grande Recessão. Cassidy
estima que o cumprimento dessa irredutibilidade determinará que os Democratas
assinem por baixo a perda de apoios para cerca de 1 milhão e trezentos mil
desempregados americanos. Obama bem pode pregar com a sua arrasadora oratória a
trágica perda da mobilidade ascendente que trama neste momento a sociedade
americana, mas se nada for feito a última parte do seu mandato ficará ligada a
uma das mais devastadoras suspensões de apoios sociais de que há memória nos Estados
Unidos. Os Democratas conseguem suspender cortes no Medicare e na Segurança
Social, mas a não extensão dos apoios aos desempregados de longa duração
arrepia qualquer um com sensibilidade social.
Um acordo é um acordo, mas é trágico que os representantes
inequívocos do 1% mais rico da sociedade americana defendam melhor os
interesses dos seus apaniguados e financiadores do que os Democratas conseguem
defender os desprovidos de qualquer defesa. Será que todos queremos viver num
mundo destes?
Sem comentários:
Enviar um comentário