(Richard Baldwin)
Em post anterior, registei os resultados do acordo ministerial de Bali da Organização
Mundial do Comércio (World Trade Organization), inseridos na longa maratona
negocial designada por Doha Round, cuja penosa concretização reflete bem o
complexo processo de governance em que a economia mundial está mergulhada. A voz autorizada de Richard Baldwin, um dos grandes especialistas da matéria e
Diretor do CEPR, lança para o tema um outro peso e ajuda-nos a compreender
melhor o paradoxo de termos assistido a uma grande manifestação de júbilo por
parte de Roberto Azevedo, diretor da WTO, quanto ao resultado alcançado e
simultaneamente ter-se percebido que a ronda negocial está longe de estar
concluída.
“O êxito de Bali tirou o multilateralismo da unidade de
urgências para a unidade de cuidados intensivos – mas não sabemos ainda se a
operação foi ou não um sucesso”.
A fórmula de Baldwin explica lapidarmente que o êxito
das negociações de Bali dá algum fôlego provisório ao papel da WTO, mas que não
chega para ocultar a profunda erosão que a organização está a experimentar como
elemento central da governação do comércio mundial. O rebalanceamento do comércio
internacional que tanto motivou os países menos desenvolvidos na sua formação
de expectativas quanto ao início da ronda negocial de Doha, traduzido na
liberalização dos produtos agrícolas e dos bens manufaturados intensivos em
trabalho, tem vindo a penar e a arrefecer tais expectativas, não contando aqui
com o peso crescente da China, da Índia e do Brasil na estruturação desse
rebalanceamento.
Mas a questão que mais tem comprometido a
maratona negocial é o facto de em paralelo às interrogações do Doha Round se
terem precipitado negociações ao nível mega-regional, com dois colossos
potenciais a movimentarem-se nesse sentido: a Trans-Pacific Partnership (TPP) e
a Transatlantic
Trade and Investment Partnership (TTIP). Os países envolvidos dificilmente
poderão alinhar em simultâneo com deus e o diabo, e por isso os avanços de Doha
passam a ser indissociáveis do êxito ou fracasso destas mega-iniciativas.
O tema interessa a Portugal e de que maneira. Via
contributo do amigo António Melo que por sua vez o recolheu do blogue de Seixas da Costa, Duas ou Três Coisas, cheguei a um estimulante e provocatório artigo de Erik Battberg e Bernardo Pires de Lima, publicado no Huffingtonpost, que nos
questiona por que razão não poderá ser o Atlântico e não o Pacífico a dominar o
comércio internacional do século XXI.
“Em termos geopolíticos, a bacia atlântica tem tudo para preserver a
proeminência histórica do Norte enquanto redimensiona o estatuto global do Sul:
poderes globais e crescentes (como por exemplo, os EUA, o Reino Unido, a
França, a Alemanha, o Brasil, o México, a Nigéria, Angola, África do Sul),
redes de investimento cruciais (pelo Atlântico passa mais comércio e
investimento do que por qualquer outra parte do mundo), metrópoles gigantescas
(Nova Iorque, Chicago, Londres, Paris, São Paulo, lagos, Joanesburgo), elevadas
taxas de crescimento populacional (a maioria dos países africanos têm taxas
acima dos 2%), indústrias militares poderosas (13 dos 20 maiores níveis de
despesa em defesa situam-se na área Atlântica), línguas globais (Inglês,
Espanhol, Francês e Português) e poderosos sistemas educacionais (Harvard e
Oxford, por exemplo) e também instituições de escala mundial como a
Universidade de São Paulo”.
O tema está quente e o próprio Krugman tem debatido o assunto. O interesse de Portugal nesta matéria é crucial, houvesse
dimensão de pensamento estratégico nesta governação. E, para além disso, o défice
de inteligência estratégica pelo lado dos simulacros de governação da União
Europeia também introduz ameaças nesta grande margem de oportunidade. Claro que
a instalação de países paraísos não fiscais mas do narcotráfico neste espaço
como a Guiné Bissau ajudará a complicar a matéria. Mas a principal ameaça virá
da ausência de inteligência estratégica dos que tenderão acenar a ameaça asiática,
não compreendendo que têm à sua disposição um espaço de grande potencial.
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