Estava o governo enlevado na construção da sua
narrativa de aproximação ao exemplo celta da resistência irlandesa em rejeitar
qualquer programa de condicionalidade no seu regresso aos mercados pós Troika, quando
ironia das ironias, em resposta a um deputado europeu da maioria, Diogo Feio,
Mario Draghi a desfez com algum estrondo. Draghi rejeitou de forma clara a hipótese
de saída à irlandesa para Portugal, embora se apressasse depois, em nota de
imprensa específica para o efeito, a cobrir o flanco desguarnecido, afirmando
que caberá ao governo português decidir sobre um possível novo programa.
Draghi pode emendar com todas as notas de imprensa
que entender as suas afirmações no Parlamento Europeu. Mas nessa sessão do PE,
Draghi afirmou inequivocamente a sua convicção de que Portugal não poderá ter
uma saída à irlandesa, por demasiado arriscada, o que equivale a confirmar que
Portigal poderá não estar próximo da Grécia, mas que em seu entender não poderá
rever-se no caso irlandês.
É claro que o PS imediatamente cavalgou a situação
exigindo explicações a Passos Coelho. Mas conviria não esquecer que o PS nos últimos
dias tem-se associado de forma explícita à saída irlandesa para Portugal. Assim
sendo, a recusa de Draghi em admitir a hipótese de tal saída é também chumbo
para o PS e a tragédia assim continua. Incauto e destemido, apesar da posterior
nota de imprensa, o presidente do BCE e não outra pessoa afirma que se esqueça
a inexistência de condicionalidades para o pós Troika. E lá se foi de uma
assentada a narrativa da maioria e a convicção da oposição de alternativa.
Mas nos últimos dias Draghi tem-se mantido ativo,
o que significa andar necessitado de mensagens a transmitir. Em nota de
imprensa do BCE, tomou-se conhecimento que Draghi deu uma entrevista ao Jornal du Dimanche e na qual, entre outras coisas, diz o seguinte:
“Pergunta: o BCE fez tudo o que podia para estimular o crescimento?”
Resposta: No contexto
do nosso mandato, sim. E estamos sempre prontos e capazes de atuar num estádio
posterior. Já utilizámos alguns dos nossos instrumentos no contexto da nossa
política monetária acomodativa, apesar de alguns nos acusarem de assumir enormes
riscos e colocar em perigo a estabilidade dos preços. Não vimos nada disso. Pelo contrário, as nossas ações produziram os efeitos desejados. Estamos
como sempre determinados a assegurar a estabilidade dos preços e a salvaguardar
a integridade do euro. Mas o BCE não o pode fazer sozinho. Não nos
substituiremos aos governos. Cabe-lhes promover as reformas fundamentais,
apoiar a inovação e gerir a despesa pública, em suma forjarem novos modelos de
crescimento”.
Noutras passagens da entrevista, Draghi parece
glorificar o modelo de competitividade alemão, baseado essencialmente na
moderação salarial e contração da procura interna e um modelo de crescimento
puxado pelas exportações. Tal como Francesco Saraceno o assinala e bem, a zona
Euro e a União Europeia não são economias pequenas que possam ser puxadas por
um modelo de crescimento baseado nas exportações, gerador de excedentes
comerciais à custa dos países emergentes. Uma de duas, ou esse modelo é
ganhador em relação a essas economias, ou está condenado a alimentar
eternamente os défices comerciais das economias mais débeis da zona Euro. Na
verdade, num bloco económico como o da zona Euro, o seu mercado interno terá de
assumir um papel relevante no crescimento. Para o conseguir, países como a
Alemanha não poderão manter indefinidamente excedentes comerciais.
Por outro lado, seria pertinente perguntar a
Draghi como é que a gestão da Troika em países como Portugal lhes garante
margem de manobra para promover a inovação e gerir a despesa pública.
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