sábado, 21 de dezembro de 2013

A AGENDA DE STIGLITZ PARA O EURO



O texto que Joseph Stiglitz publica hoje no Expresso sobre uma agenda para a salvação do euro, ou melhor dizendo, da zona euro, é a versão em Português de um texto publicado no Project Syndicate já há alguns dias.
A agenda de Stiglitz não é particularmente inovadora, o que não significa que não seja pertinente e é-o de facto. Há quatro pontos dessa agenda que reúnem um consenso alargado entre os economistas que têm criticado com vigor e consistência a abordagem sempre tardia e tímida das autoridades europeias à crise da moeda única. Esses pontos consensuais são os seguintes: união bancária efetiva, mutualização da dívida, um banco central não focado estatutariamente apenas na estabilidade dos preços, mas também no crescimento, no emprego e na estabilidade financeira. Mas o ponto da agenda que me agrada mais e que pode ser menos consensual é que Stiglitz propõe em matéria de políticas industriais mais afetados pela crise do euro: “políticas industriais que permitam aos países que se atrasam atualizarem-se; isto implica rever as restrições em vigor, que impedem tais políticas como se fossem intervenções inaceitáveis no mercado livre”.

Trata-se de matéria crucial pois ataca uma das insuficiências estruturais do modelo de constituição da moeda única, num quadro em que subsistem desequilíbrios de desenvolvimento de grande magnitude entre os países. É um facto que estes países dispuseram e dispõem ainda de avultada magnitude de Fundos Estruturais, cuja função é precisamente a de ir encurtando progressivamente tais desequilíbrios. Mas essa função tem muito de retórica e de jargão comunitário, pois os programas de desenvolvimento e os instrumentos de política pública têm de operar num contexto de mercado único em que as leis da concorrência comunitária são particularmente exigentes. Os Fundos Estruturais não permitem a um país como Portugal promover uma política industrial abrangente que possa contar com uma suspensão temporária das condições restritivas e uniformizadoras do mercado único para precisamente proporcionar a mudança estrutural necessária. Claro que poderá dizer-se, e tenho razões para defender que essa hipótese é muito credível, que governações incompetentes e falta de visão estratégica em Portugal fizeram diminuir o potencial de intervenção que os Fundos Estruturais tornaram possível em termos de política industrial. Mas o que sabemos é que o livre funcionamento das condições do mercado único tenderá sempre a aumentar o gap entre os mais desenvolvidos e os menos desenvolvidos. Os países mais desenvolvidos da zona euro têm de facto uma elevada capacidade de reciclar em seu proveito os esforços de transformação dos países do sul e essa é a lógica última do mercado único, pois a evidência histórica mostra que em uniões económicas e monetárias com fortes desequilíbrios de desenvolvimento, os efeitos de difusão do desenvolvimento (spread effects) tendem a ser suplantados pelos efeitos de reprodução e alargamento de desigualdades (backward effects). 

Observa-se aqui uma simetria de condições necessárias entre esta questão e da instabilidade financeira gerada pela livre circulação de capitais. Nesta última, há crises de instabilidade que exigem obrigatoriamente a suspensão da liberdade de circulação de capitais. É algo de similar que a construção de trajetórias de competitividade sustentada a longo prazo para os países mais afetados pela crise do euro requer, não uma suspensão das condições de mercado, mas uma adaptação das regras da concorrência e do mercado único em períodos temporários
A desvalorização interna (redução de salários e de preços internos) que Stiglitz tanto combate não constitui apenas uma alternativa deficiente à inexistente flexibilidade da taxa de câmbio que cada país da zona Euro suporta face a cada um dos seus parceiros da zona euro. A desvalorização interna insistentemente exigida pelas autoridades da Troika constitui também na perspetiva dos mentores de toda esta abordagem a única alternativa que resta aos países em dificuldades para compensar a política industrial que lhes é negada. Tudo o resto cai na retórica do crescimento baseado em reformas estruturais que, na conceção da TROIKA e dos seus mentores, não são mais do que mudanças orientadas para facilitar a desvalorização interna.
A diferença substancial é que com a desvalorização interna não se constroem vantagens competitivas dinâmicas e de longo prazo. Só uma política industrial focada na inovação e na criação de condições de aprendizagem e de maturidade para enfrentar depois o mercado único permite atingir tais vantagens competitivas dinâmicas. Uma política de salários baixos é o pior incentivo à inovação que pode oferecer-se às empresas.

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