quinta-feira, 10 de outubro de 2024

QUESTÕES DE CONFIANÇA (II)

 

(Confiança nos diferentes níveis de governo
Compilação do CR com base em dados da Comissão Europeia, in Estado das Regiões e dos Municípios)

(Tempos de trabalho profissional intenso reduziram substancialmente o tempo livre de preparação por entradas no blogue que justifiquem a publicação, agravado pelo pós-semana tenística em Vilamoura, que é preciso recuperar a todo o gás. Regresso ao tema da confiança nas instituições, na governação e nas forças políticas, numa semana crucial de batalha feroz entre as narrativas do posicionamento face à aprovação ou rejeição do Orçamento de Estado para 2025. Creio que neste caso, sendo eu uma pessoa de valores e que esforça por lutar pela sobrevivência dos mesmos, tenho de concluir, e não é paradoxo, que o finca pé de Pedro Nuno Santos e Alexandra Leitão nos valores pelos quais o PS se rege ficou totalmente submerso na guerra de narrativas que o PS perdeu, sem apelo, nem agravo, apesar de ter conseguido vergar Montenegro e seus pares em algumas dimensões da negociação. O facto de apresentado o Orçamento na Assembleia da República não ser claro para o eleitor comum que posição afinal vai o PS assumir na negociação, enquanto o Chega dá mostras de estar borradinho de medo com a possibilidade de perder o seu capital eleitoral na Assembleia, é sinal de que PNS e seus pares perderam a batalha da narrativa que habilmente Montenegro comandou. Ser defensor de valores não significa de todo que se desvalorize a narrativa política com que se pretende defender tais valores e aí acho que PNS e Alexandra Leitão se estatelaram ao comprido. Francamente não sei quem é na entourage política de PNS quem se ocupa das questões da economia e da política fiscal. Mas contrapor à ideia que já aqui considerei perigosa e de efeitos não demonstrados da descida de impostos para as empresas a ideia do crédito fiscal ao investimento é sinal de quem não tem boa gente a pensar no assunto, sobretudo porque há outras formas de impor alguma condicionalidade à descida de impostos. Do ponto de vista do eleitor mediano, ninguém compreende a estratégia de negociação do PS e chegou muito tarde o argumento de Alexandra Leitão de que o governo é governo com base numa maioria de direita no Parlamento que integra, mesmo que não se queira, o Chega. Não sou adivinho e prognósticos em política não existem, por isso é para mim irrelevante que posição vai assumir o PS e o seu grupo parlamentar. O que conta é que a defesa dos valores que o PS apresenta como seus foi apagada pela inabilidade de posicionamento na batalha da narrativa em torno da negociação, gerando uma situação estranha em que Montenegro sairá sempre por cima independentemente do PS aprovar, votar contra ou simplesmente abster-se na votação. O que adensa as preocupações conhecidas sobre a maturidade política de PNS e do seu grupo mais próximo.)

A confiança política dos eleitores nas instituições democráticas, na governação e nas forças políticas não se constrói apenas em função do modo como os eleitores se revêm no modo como os seus valores são assumidos e defendidos por aquelas instâncias. Obviamente que também se constrói a partir das narrativas esgrimidas e trabalhadas para afirmar essa defesa de valores que consideramos estruturantes do nosso pensamento sobre a democracia e o bem comum. Esta semana ficou bem visível que não basta ter valores e ter posições claras para os defender. Interessa também estar atento ao modo como construímos a narrativa dessa defesa. Do posicionamento do PS fica alguma evidência de que valeu a pena ir para a negociação política com ideias claras, mas a narrativa com que se explicou a evolução da negociação foi perdida para a construção mediática que Montenegro habilmente urdiu, tendo até direito ao exercício de pedantismo da canastrona Avillez.

O eleitor mais ao centro não percebeu a narrativa do PS e se PNS quer ganhar algumas eleições no futuro tem de ir ao centro político volátil em busca de alguma adesão.

Por falar em confiança, entrou no meu radar de sistematização de evidências de suporte ao trabalho de preparação para este blogue um relatório europeu, emanado do Comité das Regiões, que mostra que a confiança das populações é mais forte nas instituições locais e regionais do que nas instituições de âmbito nacional incluindo os governos.

Imagino que alguns regionalistas da nossa praça tenham exultado com esta prova de vitalidade das instituições mais descentralizadas. Cá por mim, a leitura destes dados não pode ser dissociada de um fenómeno grave que tem minado a saúde das democracias europeias e que é gerado pela ascensão do populismo que considera que os interesses do povo não estão a ser assumidos pela governação a carga do que eles associam às elites. Por outras palavras, quando a confiança descentralizada resulta mais de ser um refúgio e fruto da enorme desconfiança nas instituições políticas comprometidas com a governação, o apego às instituições locais pode ser parte integrante de um processo mais lato de desagregação política a nível nacional.

Em meu entender, a confiança nas instituições descentralizadas é saudável quando é possível uma dialética com poderes centrais que sabem o que fazer e que têm ideias sólidas de futuro. O apego á confiança descentralizada para superar o vazio da desconfiança nas instituições da governação, além de não ser saudável, corre o sério de não ser sustentável.

 

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