quarta-feira, 23 de outubro de 2024

SENTINDO O DEPRESSIVO AMBIENTE EUROPEU...

(Nicolas Vadot, http://www.levif.be) 

Nada que não antecipássemos com alguma segurança a partir da nossa mais distante observação lusitana, mas ainda assim a verdade é que a perspetiva sai melhorada (ou agravada...) por uma maior proximidade aos centros de decisão, no caso o estrasburguês por ocasião de uma das semanas mensais de trabalho e plenário parlamentar nesta bela cidade alsaciana.

 

Refiro-me à essência da realidade que por aqui se constata a olho nu, uma realidade que é nitidamente dominada por três grandes e perturbadoras perceções:

 

(i) a de uma Comissão Europeia construída cirurgicamente à medida dos interesses pessoais da presidente Ursula von der Leyen (porque duvido que convicções seja uma matéria que a preocupe!) e também, à boleia disso, do entendimento por ela afinada com diversos responsáveis alemães (daqueles que passarão a contar após a contraditória e quase impercetível passagem de Olaf Scholz pelo poder) sobre o que é e terá de ser a defesa concreta e a imposição irredutível dos interesses alemães (versus europeus) no mandato que ora se inicia – mais factual ainda, e ao que tudo indica com o dedo maquiavélico do seu fiel chefe de gabinete Björn Seibert (um personagem indiscritível no modo como gere o seu poder absoluto – veja-se abaixo uma cara que não engana...) é a segurança com que a presidente distribuiu a seu bel-prazer as pastas dos comissários (com notórias interseções de poderes relativos que mais não pretendem do que deixar claro quem manda e dividir para reinar) e a fórmula indisfarçavelmente capciosa que seguiu na ordenação das audições dos candidatos a comissários (com a socialista Teresa Ribera a ser empurrada para último lugar como garantia de que não haverá qualquer tentação por parte do Diabo!) –, o que se traduz em exibições manifestas de um poder crescentemente sentido como isento de quaisquer ameaças;

 

(ii) a de um quadro geral em que a presença da extrema-direita não apenas ganha expressão mas também parece evidenciar um nada circunstancial à-vontade no tocante à sua capacidade para se fazer ouvir e conseguir determinar muitas das mais relevantes escolhas que vão marcar os próximos anos – a indicação de Raffaele Fitto, um braço direito de Meloni para a pasta da Coesão e Reformas e para uma das vice-presidências da Comissão (algo de inédito e inaceitável noutros momentos e com outros protagonistas) surge como a mais clara confirmação do que acima sustento;

 

(iii) a de um ambiente de dominante descrença por parte das forças políticas tradicionalmente mais relevantes (com exceção do PPE, que se apresenta sobretudo virado para a extrema-direita e capaz de negociar migalhas com os restantes), sintoma claro de uma União sem foco nem energia para afirmar o seu tão proclamado quanto cada vez mais inexistente peso político, económico e geoestratégico – a Alemanha está virada para o seu umbigo e sem qualquer tipo de agenda europeia, a França de Macron (?) é uma bomba-relógio pronta a explodir em várias direções (todas más!), a Itália é um feudo domesticado pela Senhora Meloni, a Polónia está sobretudo a contas com a sua luta política interna, a concretização de um processo de desenvolvimento bem-sucedido e a ameaça externa que se lhe defronta, a Espanha trata do seu caso específico enquanto aguarda a chegada mais ou menos iminente do tempo pós-Sánchez e os restantes Estados-membros, mais pequeninos e no geral menos influentes, não se isentam de tropelias diversas e bem elucidativas de uma construção europeia em stand-by e consumida por níveis nunca atingidos e já quase inadmissíveis de chacun pour soi (como acontece com a Holanda, a Suécia e a Áustria, nomeadamente, para não salientar casos, como os da Hungria ou da Eslováquia, de afrontamento dos ideais europeus e de objetivo favorecimento de Putin e da sua obsessão pelo regresso de um Império Russo).

(Agustin Sciammarella, http://elpais.com)

(Olivier Bonhomme, https://www.lemonde.fr)

 

Resumindo e concluindo, diria simplesmente que estamos perante o desenho adiantado de um quadro bastante negro no horizonte e que o mesmo inquestionavelmente prenuncia aquela rota de uma Europa em declínio irreversível que todas as análises míticas e superficiais inconscientemente recusam e que o voluntarismo do recente relatório de Mario Draghi quis vir denunciar através da contraposição de escolhas e medidas quiçá interessantes mas realmente inconsequentes (por serem largamente inaplicáveis no contexto da atual relação de forças, assim não constando nem podendo constar do programa de qualquer líder europeu com efetiva capacidade de influência decisional em Bruxelas e nas grandes capitais); ao que só faltaria ou faltará acrescentar, para que a desgraça seja total e completa – e que Deus nos ajude, quem mais? –, o prego último que decorreria ou decorrerá de uma vitória de Donald Trump nas eleições americanas.

 

(Emilio Giannelli, http://www.corriere.it)

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