(Não quero ser desagradável, mas apetece-me pensar que o jogo de ontem da seleção mostrou sobretudo a coisa rara de um povo de pouco mais de dois milhões de pessoas, a Eslovénia, conseguir gerar uma equipa tão organizada, não querendo ser mais do que consegue ser. E temos de convir que se não fosse a inspiração e trabalho do que provavelmente irá ser um dos melhores guarda-redes de todos os tempos, Diogo Costa, a Eslovénia estaria hoje a comemorar um feito sem precedentes. Eu sei que o conjunto de atletas de renome mundial, em várias modalidades, com origem na Eslovénia é notável para um país tão pequeno e por isso existirá algo de genético naquele povo, talvez sejam as abelhas e o mel, que o colocam naquele pedestal. Em contraponto, do nosso lado, começa-se a perceber duas coisas que talvez estejam relacionadas: por um lado, sob a pressão deste tipo de competição começa a ser visível que a capacidade de orientação e liderança de Roberto Martinez é mais débil do que parecia à primeira vista, pensando sobretudo no que uma Federação endinheirada lhe paga; por outro lado, começa a ser patológica a dependência que a seleção apresenta do ego de Cristiano, fazendo-me lembrar aqueles putos do meu saudoso tempo que pegavam na bola, ela é minha, e se substituíam aos colegas para fazer tudo e mais alguma coisa. Tenho de confessar que nestas coisas tenho pouco de português, tendo a ser frio como uma rocha e por isso fiquei incomodado com aquele afã de Cristiano em querer marcar tudo, incluindo aquele livre na lateral esquerda que recomendaria outra opção que não a tentativa desesperada de marcar um golo, por mais improvável que ele fosse. Se é verdade que se celebra a coragem do dito em querer marcar a primeira das três penalidades depois de falhar a do jogo, e se tivesse falhado a sua carreira teria ali sofrido um rombo irreparável, corremos demasiados riscos, desnecessariamente. E, em matéria de liderança organizativa, Martinez continua a não impressionar, senão vejamos.)
Martinez regressou e acertadamente ao modelo de equipa que se tinha dado bem com uma Turquia pouco cínica, como bem o sublinhou o selecionador turco Montella, e a interrogação estava como é que a equipa se iria comportar contra uma equipa bem menos ingénua do que a Turquia, mas menos fechada do que a Chéquia. O desenvolvimento do jogo permitiu concluir que a nossa circulação de bola continua muito lenta e bastante previsível, largamente dependente da espantosa intuição de Vitinha e da segurança atrás de Palhinha. A articulação Rafael Leão – Nuno Mendes revelava-se bastante mais frutífera do que a observada à direita entre Bernardo Silva e João Cancelo. Ainda que muitas vezes inconsequente, a verdade é que o nosso único fator de criação de desequilíbrios era Rafael Leão, o que era bastante pouco para contrariar uma organização tão afinada como a eslovena. A dependência do ego goleador de Ronaldo começou a notar-se e uma série de maus cálculos de salto e remate começaram a perturbar a nossa estrela, perturbação que haveria de culminar na grande penalidade falhada, embora não deva esquecer-se que Oblak também é de outro mundo.
Na segunda parte, os problemas agravaram-se, com a exceção de um João Cancelo apostado em regressar aos bons velhos tempos. As opções de Martinez continuam discutíveis: a substituição de Vitinha é dificilmente compreensível, ainda que se compreenda a entrada de Diogo Jota para fazer algum estardalhaço na defesa eslovena; tirar Rafael Leão em vez de Bernardo Silva (com Martinez a pensar provavelmente em manter Bernardo para assegurar uma nova função de coordenação a meio-campo) tem que se lhe diga e ainda mais problemático é fazer entrar Francisco Conceição para a esquerda, com emenda uns minutos mais à frente.
A tragicomédia da grande penalidade falhada de Ronaldo poderia ter dominado a cena se, após o deslize de Pepe, Diogo Costa não tivesse feito uma defesa do outro mundo com o pé esquerdo, tal qual guarda-redes de andebol do mais ágil que se conheça, e garantindo a ida para as penalidades. E aí depois da primeira defesa de Diogo Costa a penalidade marcada por Ronaldo deu o mote, esconjurando a tragédia. Depois, o peso da figura imponente de Diogo Costa na baliza impôs-se, perante uns eslovenos atordoados com aquela sombra que parecia ocupar a baliza inteira.
Dará este elã para vencer uma França mascarada de uma grande equipa que já não o é? Ou ficaremos dependentes de um Éder qualquer? Não há nada como testar.
Sem comentários:
Enviar um comentário