(O meu colega de blogue já acusou a receção do tema no complexo espaço da governação da União, mas a sua importância é tão grande que me sinto tentado a refletir sobre o mesmo. A presidência rotativa da União exercida pela Hungria está a ser aproveitada por Viktor Orbán para um exercício de política externa, tudo indica completamente à revelia dos reduzidos elementos de consenso na política externa europeia, se é que ela existe, esticando manifestamente a corda, aliás como é apanágio do líder húngaro, que de atado não tem nada, como sabemos. Não são públicos os teores das conversas de Orbán com Putin, Jinping e Trump, mas não será difícil antecipar qual a lógica que estes encontros revelam, tudo isto perante o olhar relativamente atónito dos pares europeus. Tenho por isso para mim que o fundamental destas investidas do iliberal Orbán consiste no que elas prenunciam de vicissitudes futuras para a condução do projeto europeu, a partir do momento em que as forças iliberais, autoritárias e de extrema-direita aparecem representadas em governos legitimados por eleições. Já se percebeu o que vai na tenebrosa cabeça não só de Orbán, mas também de Meloni, da extrema-direita neerlandesa e austríaca e o que animava Le Pen nas suas fanfarronices de conquista do poder em França. O objetivo é claro, instrumentalizar as instituições europeias de acordo com os seus próprios interesses, tirando partido das insuficiências do modelo de governação e das presidências rotativas e aproveitando o momento da inexistência no plano político da União de vozes e personalidades com poder de imposição da sua VOZ, como o foram no passado líderes como Mitterrand, Helmut Koln ou mesmo Merkel nos seus melhores tempos. A União está hoje perante um conjunto diverso de Cavalos de Troia e, ao contrário dos melões, podemos antecipar o que de perturbador esses cavalos transportam dentro de si para a construção europeia.)
Em meu entender, o que as iniciativas de Orbán prenunciam estão muito para além da tentativa de influenciar por vias travessas o futuro do conflito proveniente da invasão russa da Ucrânia. Já se percebeu que existe uma tendência larvar, contando com uma possível reeleição de Trump nos EUA, para submeter a Ucrânia a um processo de paz que significará a perda de uma parte do seu território. Essa tendência latente contará sempre com uma avaliação custo-benefício do que uma Terceira Guerra Mundial poderia significar e, a não ser que os senhores superiores da guerra estejam para aí virados, o sacrifício da integridade territorial ucraniana será sempre considerado um custo menor. Essa perda da integridade territorial poderá até ser compatível com a integração da Ucrânia na União, apresentada como compensação maior para uma derrota que essa perda tenderá sempre a representar.
Relembro que as iniciativas de Orbán são conduzidas ainda sem a presença explícita de um plano de ação comum que as forças de extrema-direita poderão desenvolver. Até agora, essa convergência de posições não tem sido observada e basta estarmos atentos à sua filiação nos grupos políticos do Parlamento Europeu para compreender que, felizmente, muitos pontos de divergência existem entre as mesmas. Mas se quisermos antecipar o que poderemos ter pela frente com as presidências rotativas da Itália, dos Países Baixos ou da Áustria estaremos seguramente perante novos pontos de perturbação.
A União Europeia não tem manifestamente os seus processos de governação preparados para lidar com a caminhada da extrema-direita para o poder, sobretudo na perspetiva de ser algo mais do que um mercado interno estruturado. Terá havido tempo suficiente para preparar o caminho. Tenho dúvidas que, em plena manifestação das ameaças antidemocráticas, haja tempo e seja o tempo pertinente para as consumar. Manifestamente, os golpes de rins institucionais de última hora das reuniões do Conselho Europeu não serão já suficientes. Se António Costa pretendia um desafio político de envergadura para concluir a sua já longa carreira política tê-lo-á encontrado. Que aproveite.
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