quinta-feira, 4 de julho de 2024

A BANDEIRA ESVENTRADA

 

(Cada capa da Economist é, por si só, um acontecimento. O seu sentido figurativo e simbólico é, regra geral, marcante e aqui temos mais um caso flagrante da oportunidade da sua publicação. A bandeira francesa surge representada sem o seu centro branco, com as faixas azul e encarnada entregues à sua sorte. Se quiséssemos prolongar o simbolismo teríamos ainda de observar que a faixa azul, que representa a direita, permanece amarrada ao mastro, enquanto a faixa vermelha surge desprendida, perdendo-se provavelmente no éter. O simbolismo é assustador. A revista acrescenta-lhe um título não menos demolidor – The Centre Cannot Hold e essa é a situação em que a França desesperadamente se encontra. O Presidente Macron perdeu talvez irremediavelmente o centro político na sua esperança de mostrar aos franceses que os extremos se dilaceram e corroem a sociedade. Macron cometeu um erro imperdoável. Primeiro, sobrevalorizou a consistência da sua base política de apoio que é afinal bem mais frágil do que ele admitia. Prova disso, é o número de candidatos seus derrotados ou que têm de ser salvos pela esquerda. Segundo, distanciando-se da esquerda mais radical da França Insubmissa, comprometeu irremediavelmente a consistência do seu apelo. O tantas vezes glorificado centro político parece em França condenado à irrelevância política, com tudo o que isso significa de polarização radicalizada e extrema. Retiro daqui um importante ensinamento político. O Centro não se justifica a si próprio por simples questões de posicionamento logístico. Em política, o Centro não é necessariamente sinónimo de centralidade. Tem de dar mostras de equilíbrio político e fazer-se acompanhar de substância política condizente. Macron hipotecou em tempo curto todo esse potencial, deixando de poder arvorar-se como sendo a bissetriz de todos os que se opem ao Rassemblement National.)

Podemos questionar se a necessidade dessa bissetriz de representação dos que se opem ao RN se mantém? Sim, essa representação continua a ser absolutamente necessária. O problema é que Macron perdeu talvez irremediavelmente esse lugar e não vai ser fácil encontrar essa personalidade. Do alto da sua longevidade espantosa de 102 anos, Edgar Morin relembra-nos que é necessário uma nova era de resistência, chamando-nos a construir os seus “oásis de fraternidade”: “É hora de uma nova resistência. A de outrora era contra o ocupante nazi, a de ontem era contra o regresso da velha barbárie do cálculo cego face à humanidade e do lucro descontrolado. A nova resistência é antes de mais a da resistência contra o espírito das mentiras, das ilusões, das histerias coletivas sobre as quais a extrema-direita navega em França e na Europa e que consiste na formação de um oásis de fraternidade”. A nova resistência toma partido de Eros, a potência criadora, contra Pólemos e Thanatos, a guerra e as pulsões da morte e desejava salvar o género humano de si próprio”.

Mas como organizar esse oásis?

Nota final

Em matéria de capas contundentes a capa do Economist de amanhã ainda é mais cruel do que a bandeira esventrada.

O mundo está perigosamente pendente das hesitações de Biden e dos Democratas e anuncia-se um Natal cheio de ameaças.

 

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