quinta-feira, 11 de julho de 2024

AINDA AS QUESTÕES DA IMIGRAÇÃO

 

                                                        (Voz de Galicia)

(Praticamente todos os dias encontramos na comunicação social portuguesa elementos que nos alertam para o abismo demográfico em que estamos mergulhados. Ainda hoje no Público a jornalista Patrícia Carvalho nos brinda com um artigo sobre o tema, no qual à cabeça se destaca que Portugal é o 4º país mais envelhecido do mundo e o primeiro na União Europeia em termos de número de casais apenas com um filho. E acrescenta-se que o fenómeno do envelhecimento evoluiu em Portugal mais rapidamente do que na União, aliás coisa que o nosso sentido visual capta com facilidade se olharmos atentos para as nossas paisagens urbanas e rurais. Em matéria de fertilidade e natalidade, observam-se, por vezes, sinais esperançosos de que possamos ter batido no fundo e iniciada uma trajetória de recuperação, mas os fatores estruturais de rebaixamento da taxa de fertilidade mantêm-se sem alteração sensível. O mesmo Público de hoje, referindo-se à variável de substituição que por vezes utilizamos, os números do teste do pezinho, mostra que após dois anos em que esse número parecia aumentar, os primeiros seis meses de 2024 revelam já uma diminuição em relação a período homólogo de 2023. Esta semana, numa excelente reunião com empresários de Cabeceiras de Basto, um concelho particularmente penalizado pelo declínio demográfico, percebi que a perceção do contexto estrutural de declínio demográfico em que estamos apresentava naquele grupo um elevado nível de consciencialização, o que é a mesma coisa que dizer que a imigração já não é para os empresários portugueses o bicho de sete cabeças que algumas forças políticas à boleia de outros populistas teimam em proclamar. O post de hoje discute essencialmente a situação comparativamente favorável em que Portugal se encontra face a outras economias do sul (Espanha, Itália e Grécia), especialmente penalizadas pelo facto da União Europeia continuar a não definir uma política coerente de imigração, seja na perspetiva de regulação dos fluxos de entrada, seja apoiando com investimento estruturante os países dos quais essa imigração é originária E, se quisermos ser rigorosos, a nossa proximidade geográfica a esses países da Europa do sul é tão elevada que só por milagre ou desvalorização do destino-país se compreenderá que Portugal não esteja a viver os problemas complexos de acolhimento que por exemplo em Espanha se observam e que tem dado origem a uma intensa negociação política entre o Governo de Sánchez e as Comunidades Autónomas.)

Entretanto, apesar deste diagnóstico, a imigração é já mais importante na economia portuguesa do que poderíamos pensar. 


 (Centro de Relações Laborais - Relatório sobre o Emprego e Formação de 2023)

Recorrendo ao Relatório sobre Emprego e Formação de 2023 do Centro de Relações Laborais, que será apresentado publicamente no próximo dia 19 de julho e de cujo Conselho Científico sou membro há já alguns anos, o número total de população imigrada que as estimativas do INE anunciam atinge já 117.800 pessoas, retomando a tendência crescente a partir de 2020 (ver gráfico acima). Esta população imigrada está essencialmente concentrada no grupo etário dos 25 aos 64 anos de idade, sendo ainda essencialmente masculina. Mas essa realidade era ainda mais visível em matéria de emprego. Em 2022, os Quadros de Pessoas publicados pelo GEP do Ministério do Trabalho, da Solidariedade e Segurança Social revelavam a existência de 322.000 trabalhadores estrangeiros, esmagadoramente trabalhadores por conta de outrem, a que se juntam 8.900 empregadores estrangeiros. As origens do Brasil (39,4%) e Ásia (19,6%) superam já a dos PALOP (15,2%), verificando-se que só em 2022 foram acrescentados mais 93.500 indivíduos à massa global de emprego revelada pelos Quadros de Pessoal. Apenas 11,2% desse emprego estrangeiro tem por origem a União Europeia.

Significa isto que a sociedade portuguesa vai-se adaptando à inevitabilidade dos fluxos imigratórios. E se é verdade de que por vezes vêm a públicos exemplos pouco dignificantes de acolhimento de população imigrada (Odemira, por exemplo) e que as nossas manchas urbanas e habitacionais começam a apresentar sinais evidentes de uma questão habitacional não resolvida (ou o o que é o mesmo que dizer acolhimento deficiente), a nossa situação tem sido poupada aos problemas sérios de acolhimento que a Espanha, Itália e Grécia enfrentam, essencialmente devido à inexistência de uma política imigratória coerente de repartição equilibrada e de regulação desses fluxos.

Com a polarização do debate político gerada pela entrada em cena de partidos xenófobos de extrema-direita que acenam com a não demonstrada relação entre imigração e delinquência como fator de geração de medo nas sociedades de acolhimento, as questões da imigração passaram a estar no coração dos complexos equilíbrios internos. O caso recente de Espanha é bem ilustrativo do meu ponto de hoje. O problema dos imigrantes menores não acompanhados, seja porque os pais morreram em travessias suicidas, ou porque os pais hipotecaram tudo o que tinham em enviar os filhos para o desconhecido, é de grande complexidade. “Menas” é a expressão pelos quais são conhecidos em Espanha. Perante a repugnante recusa do VOX em aderir a esse processo, o Governo de Sánchez tem negociado com as Canárias, território de acolhimento, e as Comunidades Autónomas uma repartição vinculativa equilibrada deste grupo populacional imigrante, já que as tentativas de o fazer por processos não vinculativos têm sido largamente ineficazes.

A ausência de uma política europeia coerente de imigração, na qual Estados-membros, regiões com autonomia, centros de acolhimento e políticas sociais possam intervir com a sua quota-parte de responsabilização abate-se sobre os países da Europa do Sul, sem que para isso sejam apoiados. Mas, de qualquer modo, a situação portuguesa está longe de partilhar os problemas dos seus parceiros espanhóis, italianos e gregos. Tão aqui ao perto. Tudo parece indicar que, sem tais sobressaltos, a costumeira adaptação incremental da sociedade portuguesa vá também integrando a imigração sem grandes ondas. Até quando?

 

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