quarta-feira, 20 de novembro de 2019

ESPERAMOS A REABERTURA DO CEUTA



(Pela palavra de Mariana Correia Pinto, jornalista do Público, ficámos a saber que o Café Ceuta reabrirá, remodelado, possivelmente em março de 2020, o que nos deixa moderadamente sossegados. Inevitavelmente diferentes memórias afloram acerca do que tendo a chamar a vivência da Cidade.)

Os cafés são lugares mágicos, não propriamente pela infraestrutura física que também são, mas principalmente pelas atmosferas que a sua ambiência cria ou rejeita, geradas sobretudo pela interação entre os seus visitantes mais acidentais e os praticamente nativos e residentes em tais espaços.

As minhas memórias dos cafés do Porto estão sobretudo ligadas ao meu período como estudante universitário no atual edifício da Reitoria da Universidade do Porto, numa Faculdade de Economia então acantonada numa espécie de sótão daquele edifício e cujas lamentáveis instalações ilustram os estudantes de espinha mole que genericamente éramos, com notáveis exceções de alguns verdadeiros tribunos como José Leal Loureiro, o Rui Mota, o António Brandão de então e poucos mais.

Enquanto criança frequentava com o meu Pai o Avis e o Estrela, cheguei a jogar ténis de mesa num café que havia na Praça D. João I, creio que se chamava Rialto, mas como universitário e professor explicador já no fim da licenciatura frequentava o Piolho, onde ainda regresso por vezes para um fim de tarde acidental ou uma visita matinal ao ritmo longo dos cortes de cabelo, e o Ceuta, que ficava muito próximo da minha sala de trabalho como explicador no cruzamento da rua de Ceuta com José Falcão. Para estudar e namorar com a minha mulher os locais eram a Invicta e a Primar, todas na área de referência do Carmo.

A jornalista Mariana Correia Pinto (link aqui) lembra a tertúlia do Ceuta animada pelo grupo em que pontificava o saudoso Fernando Fernandes a partir da sua também inesquecível Leitura, mesmo por baixo da minha sala de trabalho. Mas o Ceuta era também local de afeto do também saudoso Manuel Moreira, comerciante de tecidos e amigo de família e que aí conversava com o Armando Alves, ambos associados ao PCP.

O Ceuta era praticamente o local de residência de um dos mais espantosos personagens do Porto com o qual convivi longamente, o Dr. Carlos Espaim, anarquista imperfeito, meu explicador de Matemática e Cálculo Infinitesimal e de muitos outros às voltas com as derivadas simples e dupla e os integrais duplos e triplos. O Dr. Carlos Espaim foi também o responsável pelo meu advento como professor explicador, preparando uma caterva de estudantes da então FEP (com grande concentração para os lados da Foz) para a ultrapassagem da barreira que era a então Economia I, essencialmente micro e que uma sólida formação matemática de base permitia fazer a cadeira com uma perna às costas.

Interpretando à distância esses tempos, acho que o nosso relacionamento com o Carlos Espaim, com muitas horas de conversa pelas mesas do Ceuta antes e depois do trabalho da explicação, podia ser considerada uma tertúlia.

Os cafés são também tribos. A tribo do Piolho e do Ceuta não era a mesma da do Estrela, do Avis, do Diplomata ou até do Embaixador mais na baixa. Voltamos às atmosferas. Não imagino com que atmosferas reabrirá o Ceuta, esperando que se confirme a notícia da jornalista do Público. Sou dos que penso que quando um café ou uma livraria fecham talvez não tenhamos feito tudo o que estava ao nosso alcance para o impedir. Quanto à Leitura não tenho qualquer peso na consciência, tanto livro comprei naquela casa acolhedora. Mas quanto ao Ceuta nem sequer me tinha apercebido que fechara para remodelação, espera-se. Os cafés são também consequência do que eu chamo a segmentação da Cidade. Tendemos a definir percursos e vivências territoriais limitados. Tendemos a regressar aos mesmos espaços e zonas de influência e com isso segmentamos a procura dos serviços da Cidade.

Sem comentários:

Enviar um comentário