(Pela palavra de
Mariana Correia Pinto, jornalista do Público, ficámos a saber que o Café Ceuta
reabrirá, remodelado, possivelmente em março de 2020, o que nos deixa
moderadamente sossegados. Inevitavelmente diferentes memórias
afloram acerca do que tendo a chamar a vivência da Cidade.)
Os cafés
são lugares mágicos, não propriamente pela infraestrutura física que também são,
mas principalmente pelas atmosferas que a sua ambiência cria ou rejeita,
geradas sobretudo pela interação entre os seus visitantes mais acidentais e os
praticamente nativos e residentes em tais espaços.
As minhas
memórias dos cafés do Porto estão sobretudo ligadas ao meu período como estudante
universitário no atual edifício da Reitoria da Universidade do Porto, numa
Faculdade de Economia então acantonada numa espécie de sótão daquele edifício e
cujas lamentáveis instalações ilustram os estudantes de espinha mole que genericamente
éramos, com notáveis exceções de alguns verdadeiros tribunos como José Leal
Loureiro, o Rui Mota, o António Brandão de então e poucos mais.
Enquanto
criança frequentava com o meu Pai o Avis e o Estrela, cheguei a jogar ténis de
mesa num café que havia na Praça D. João I, creio que se chamava Rialto, mas
como universitário e professor explicador já no fim da licenciatura frequentava
o Piolho, onde ainda regresso por vezes para um fim de tarde acidental ou uma
visita matinal ao ritmo longo dos cortes de cabelo, e o Ceuta, que ficava muito
próximo da minha sala de trabalho como explicador no cruzamento da rua de Ceuta
com José Falcão. Para estudar e namorar com a minha mulher os locais eram a
Invicta e a Primar, todas na área de referência do Carmo.
A jornalista
Mariana Correia Pinto (link aqui) lembra a tertúlia do Ceuta animada pelo grupo em que
pontificava o saudoso Fernando Fernandes a partir da sua também inesquecível
Leitura, mesmo por baixo da minha sala de trabalho. Mas o Ceuta era também local
de afeto do também saudoso Manuel Moreira, comerciante de tecidos e amigo de
família e que aí conversava com o Armando Alves, ambos associados ao PCP.
O Ceuta
era praticamente o local de residência de um dos mais espantosos personagens do
Porto com o qual convivi longamente, o Dr. Carlos Espaim, anarquista imperfeito,
meu explicador de Matemática e Cálculo Infinitesimal e de muitos outros às
voltas com as derivadas simples e dupla e os integrais duplos e triplos. O Dr. Carlos
Espaim foi também o responsável pelo meu advento como professor explicador,
preparando uma caterva de estudantes da então FEP (com grande concentração para
os lados da Foz) para a ultrapassagem da barreira que era a então Economia I,
essencialmente micro e que uma sólida formação matemática de base permitia
fazer a cadeira com uma perna às costas.
Interpretando
à distância esses tempos, acho que o nosso relacionamento com o Carlos Espaim,
com muitas horas de conversa pelas mesas do Ceuta antes e depois do trabalho da
explicação, podia ser considerada uma tertúlia.
Os cafés
são também tribos. A tribo do Piolho e do Ceuta não era a mesma da do Estrela,
do Avis, do Diplomata ou até do Embaixador mais na baixa. Voltamos às atmosferas.
Não imagino com que atmosferas reabrirá o Ceuta, esperando que se confirme a notícia
da jornalista do Público. Sou dos que penso que quando um café ou uma livraria
fecham talvez não tenhamos feito tudo o que estava ao nosso alcance para o
impedir. Quanto à Leitura não tenho qualquer peso na consciência, tanto livro
comprei naquela casa acolhedora. Mas quanto ao Ceuta nem sequer me tinha
apercebido que fechara para remodelação, espera-se. Os cafés são também consequência
do que eu chamo a segmentação da Cidade. Tendemos a definir percursos e vivências
territoriais limitados. Tendemos a regressar aos mesmos espaços e zonas de
influência e com isso segmentamos a procura dos serviços da Cidade.
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