domingo, 17 de novembro de 2019

NUMA PAREDE PICHADA DE UM CHILE ENFURECIDO



(Os recentes acontecimentos de agitação e revolta políticas no Chile trazem-nos uma outra imagem de um país que parecia relativamente estabilizado e pouco identificado com a matriz política de outros países latino-americanos, de que o isolamento de Nicolás Maduro na Venezuela e a saída forçada de Evo Morales na Bolívia estão a ser apontados como evidências do fim de uma era. Mas a força das manifestações de rua no Chile e as tentativas do poder instituído para as serenar materializadas no acordo para plebiscitar a Constituição aprovada sob a ditadura de Pinochet demonstram que a pretensa estabilização do país era algo de não perfeitamente maturado e pronto a estalar.)

Tenho a sensação de que não prestámos a devida atenção à aparente consistência dos movimentos do precariado (uma forma curiosa de descrever os novos caminhos de exploração que podem levar a manifestações gigantescas) que agitaram as principais cidades do Chile, projetando-se com violência nas ruas e praças. O Chile era apresentado como um exemplo de como na América Latina era possível uma via de democracia económica. Claro que os apreciadores do modelo raramente se abriam à questão de saber quais foram os custos tornados necessários pela implantação de tal via, negando-se a estabelecer quaisquer laços entre a viabilização de tal modelo e as consequências mais negras da ditadura de Pinochet. O facto do país ter sido governado em período intermédio por personalidades progressistas como Michelle Bachelet (Presidente da República entre 2006 e 2010 e entre 2014 e 2018) talvez possa explicar essa ideia de que a sociedade chilena caminhava para uma plena estabilização democrática, hoje contrariada pela intensa e generalizada revolta que o governo de Sebastián Piñera está a enfrentar.

Dos elementos diversos que tenho coligido sobre as razões que determinaram a explosão de revolta popular nas ruas e praças chilenas houve um elemento que me chamou a atenção. É uma simples pichagem que surgiu nas paredes da cidade de Santiago do Chile e publico-a tal como surgia representada:

El neoliberalismo nació en Chile y en Chile morirá.”

A frase tem mais sumo do que parece. Na verdade, as teses neoliberais que aconselharam economicamente o governo de Pinochet sempre se recusaram a discutir sequer as condições políticas de viabilização das suas teses, como se isso fosse matéria proscrita por não se situar nos limites do económico. A proximidade que os membros da famigerada Sociedade do Monte Pelegrino em que a personalidade de Hayek era determinante com o governo de Pinochet sempre constituiu um forte engulho na afirmação das teses neoliberais do ponto de vista da sua factibilidade e viabilização. Não é certamente um acaso que a experiência mais avançada de aplicação de tais teses tenha sido observada no Chile, onde precisamente a violência com que o governo de Salvador Allende foi desmantelado e destruída toda a sua base social de apoio se encarregou de preparar laboratorialmente as condições para o experimentalismo liberal.

Na sua simplicidade, a pichagem das paredes de Santiago do Chile remete-nos para uma profundidade que a transcende.

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