(Os recentes acontecimentos
de agitação e revolta políticas no Chile trazem-nos uma outra imagem de um país
que parecia relativamente estabilizado e pouco identificado com a matriz política
de outros países latino-americanos, de que o isolamento de Nicolás Maduro na Venezuela
e a saída forçada de Evo Morales na Bolívia estão a ser apontados como evidências
do fim de uma era. Mas a força das manifestações de rua no Chile e as
tentativas do poder instituído para as serenar materializadas no acordo para
plebiscitar a Constituição aprovada sob a ditadura de Pinochet demonstram que a
pretensa estabilização do país era algo de não perfeitamente maturado e pronto
a estalar.)
Tenho
a sensação de que não prestámos a devida atenção à aparente consistência dos movimentos
do precariado (uma forma curiosa de descrever os novos caminhos de exploração
que podem levar a manifestações gigantescas) que agitaram as principais cidades
do Chile, projetando-se com violência nas ruas e praças. O Chile era apresentado
como um exemplo de como na América Latina era possível uma via de democracia
económica. Claro que os apreciadores do modelo raramente se abriam à questão de
saber quais foram os custos tornados necessários pela implantação de tal via, negando-se
a estabelecer quaisquer laços entre a viabilização de tal modelo e as consequências
mais negras da ditadura de Pinochet. O facto do país ter sido governado em período
intermédio por personalidades progressistas como Michelle Bachelet (Presidente
da República entre 2006 e 2010 e entre 2014 e 2018) talvez possa explicar essa
ideia de que a sociedade chilena caminhava para uma plena estabilização democrática,
hoje contrariada pela intensa e generalizada revolta que o governo de Sebastián
Piñera está a enfrentar.
Dos
elementos diversos que tenho coligido sobre as razões que determinaram a explosão
de revolta popular nas ruas e praças chilenas houve um elemento que me chamou a
atenção. É uma simples pichagem que surgiu nas paredes da cidade de Santiago do
Chile e publico-a tal como surgia representada:
“El neoliberalismo
nació en Chile y en Chile morirá.”
A
frase tem mais sumo do que parece. Na verdade, as teses neoliberais que aconselharam
economicamente o governo de Pinochet sempre se recusaram a discutir sequer as
condições políticas de viabilização das suas teses, como se isso fosse matéria
proscrita por não se situar nos limites do económico. A proximidade que os
membros da famigerada Sociedade do Monte Pelegrino em que a personalidade de
Hayek era determinante com o governo de Pinochet sempre constituiu um forte engulho
na afirmação das teses neoliberais do ponto de vista da sua factibilidade e
viabilização. Não é certamente um acaso que a experiência mais avançada de
aplicação de tais teses tenha sido observada no Chile, onde precisamente a violência
com que o governo de Salvador Allende foi desmantelado e destruída toda a sua base
social de apoio se encarregou de preparar laboratorialmente as condições para o
experimentalismo liberal.
Na sua
simplicidade, a pichagem das paredes de Santiago do Chile remete-nos para uma
profundidade que a transcende.
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