sábado, 13 de novembro de 2021

FUNDADORES E MILITANTES

 


 (Imagem de cartaz ou folheto publicada por José Pacheco Pereira na sua crónica de hoje no Público "Lembrar e lembrar e lembrar, contra a memória de passarinho)

(De novo a quatro mãos com uma Saudação das grandes ao regresso às lides do meu colega de blogue, sobretudo pelo que isso significa do ponto de vista da sua saúde, muita coisa se publicou este sábado, mas gostaria de destacar o esforço hercúleo de José Pacheco Pereira combatendo o que ele designa de projeto de captura do PSD por uma frente de direita radical e recuperando o pensamento diferenciador dos seus fundadores. Também acho que, talvez sem a real consciência disso por parte de Passos Coelho, no rescaldo do PAF formou-se em certos círculos que, à falta de melhor, associo a gente que se passeia pelo Observador a ideia de que o PSD poderia ser o partido que falta à direita radical, aquela que confunde liberalismo com liberalismo económico ou que limita aquele a esta última. E, provavelmente sem que também Paulo Rangel intua que está a servir esse movimento, essa intenção de captura não desapareceu, apesar de ter dado com os burros na água em várias ocasiões.

José Pacheco Pereira compreendeu lucidamente que esta questão vai estar presente embora por travestidas manifestações nas próximas eleições primárias do PSD, não porque essa corrente (que está dentro mas que também está fora à espera que alguém monde o campo para aparecerem) seja simplesmente adversária de Rui Rio. Mais do que uma questão de líder o que está em causa é a criação de condições de posicionamento que permitam encostar até com ela se confundir o PSD a uma direita radical que tem um sério problema. Está demasiado refém do liberalismo económico e compreende que não será possível transpor esse ideário para a intervenção política em Portugal trabalhando a partir de percentagens tão baixas como a que a Iniciativa Eleitoral ocupa neste momento do espectro político em Portugal. Mesmo um pouco alquebrado, a base eleitoral do PSD permite outros voos e menos escolhos, por isso é tão aliciante a sua captura.

A crónica de hoje de JPP no Público (que é anunciado continuará em próximas edições) é um esforço determinado de regresso ao pensamento dos fundadores, com Sá Carneiro à cabeça e relembrando um aspeto que tem sido progressivamente esquecido, o da matriz de pensamento associada ao Porto: “Sá Carneiro era no seu mais pleno sentido um homem do Porto onde se podia ser conservador sem ser reacionário, e onde a liberdade estava inscrita em muitas instituições da cidade, onde comerciantes, tipógrafos, “industriais” conviviam ainda com a memória de terem pegado em armas pela liberdade”.

Para além desta referência, JPP sublinha duas outras ideias matriciais, a do personalismo cristão e a do conceito abrangente de ser liberal, na linha da social-democracia.

Temo que as primárias no PSD venham ser tudo menos a discussão desta matriz de pensamento dos fundadores, até porque será obviamente tema tabu para quem quer capturar o partido na linha de uma frente de direita radical. A sondagem de hoje não dá para aquecer os motores no PSD e o terceiro lugar do Chega, esse sim, emerge como o dado mais contundente de todos os resultados e deve ter deixado o PCP e o Bloco de Esquerda nas cordas.

Por tudo isto, compreendo e aplaudo o esforço hercúleo de combater a memória de passarinho por parte de JPP, até na linha de ele próprio racionalizar o que faz ainda no partido, mais como consciência crítica do que como militante e participante ativo. Mas não posso deixar de estranhar que o partido tenha perdido a oportunidade de fazer esse debate com outras condições e não submetido a uma maratona política como a que se prolongará até 30 de janeiro de 2022. E não posso deixar de me perguntar se a generalidade dos militantes de um partido qualquer tem ainda a alguma ideia sobre o pensamento dos seus fundadores.

Mas talvez, mesmo desconhecendo a “letra desse pensamento”, o militante e o votante medianos ainda se sintam identificados com o que matricialmente diferenciava o PSD. Para alguns haverá uma questão mais pragmática, como regressar ao poder e ao seu entorno de proximidade. Esperemos que, para outros, o espírito liberal do Porto, o personalismo e a vontade de ser liberal sem sucumbir à degenerescência do neoliberalismo económico permaneçam e sirva de dique à tal intenção de captura que também acredito ser real e que colocaria a sociedade e a política portuguesa numa polarização de fortíssima instabilidade.

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