terça-feira, 16 de novembro de 2021

MAIS DINAMARCA E MENOS VICE-ALMIRANTE

 

(A minha perspetiva de que iria ser para já impossível datar o após-Covid vai-se confirmando e tudo indica que, fruto do contacto com os povos da Europa central e de leste, entre os quais a Alemanha, com baixas taxas de vacinação, a restante Europa, se não tomar medidas adequadas, irá progressivamente entrar num novo recrudescimento da pandemia. E nestas circunstâncias é inevitável que continuem a emergir comparações entre contextos de diferente reação e adaptação ao fenómeno pandémico prevalecentes nos diferentes países, questão que, de qualquer modo e mesmo se na União Europeia tivesse conseguido uma gestão mais coordenada da crise sanitária, não da económica, teria sempre de ser considerada.

Há dois dias, a 14 de novembro deparei com um artigo de opinião escrito a convite do New York Times por um conjunto de três investigadores dinamarqueses, Rebecca Adler-Nissen, Sune Lehmann and Andreas Roepstorff de sua graça (link aqui), que trabalham num projeto de investigação designado de HOPE e que tem por objetivo estudar o modo como as democracias geriram a pandemia.

O artigo vale uma leitura cuidada, pois a Dinamarca está constantemente no radar das comparações europeias, com evolução mais estável do que a nossa, ou seja nunca foram nem os piores nem os melhores do mundo. O país abriu em setembro e desde aí, como era previsível para uma economia aberta, o número de casos foi aumentando, apesar do país ter alcançado uma boa taxa de vacinação, das mais elevadas da Europa. À data em que os investigadores dinamarqueses redigiram o artigo para o NYT, o número de infeções por dia andava em média pelos 2.600 e as hospitalizações atingiam as 315 pessoas.

Os investigadores trabalharam os dados de cerca de 400.000 questionários sobre comportamentos individuais de resposta à COVID-19 e identificaram três importantes fatores responsáveis pelo desempenho dos dinamarqueses:

  • Um elevado nível de confiança social e institucional prevalecente na população dinamarquesa, com cerca de 90% dos residentes a manifestar confiança no mínimo moderada nas suas autoridades de saúde;
  • Um baixo nível de polarização política e de informação pouco transparente;
  • Um reconhecido espírito comunitário, o conhecido “samfundssind”.

A sociedade dinamarquesa viu retribuída a presença destes três fatores num nível relativamente baixo de mortalidade quando comparado com outros países de rendimento per capita bem mais elevado. E terá de ser à luz da presença combinada destes três princípios que devemos entender a particular sensibilidade de comunicação que as autoridades de saúde dinamarquesas revelaram quanto aos efeitos colaterais de algumas vacinas. E tudo isto com um caso relativamente grave no seu governo, que atingiu o Ministério da Agricultura quando perante evidências de mutação de vírus entre os visons decretou sem suporte para isso a exterminação em massa de um conjunto gigantesco de animais.

A experiência dinamarquesa mostra, assim, que a questão da confiança quando combinada com baixa polarização política e sentimento de pertença comunitária, que não é o equivalente degenerado do nacionalismo, influencia positivamente o êxito da gestão pandémica.

Como é óbvio e talvez para o desencanto de alguns, não podemos ser todos dinamarqueses. Quando li este artigo e os resultados da investigação, dei comigo obviamente a fazer comparações com o nosso próprio caso. Melhores ainda do que os dinamarqueses em matéria de vacinação, mais instáveis e polares no ser o melhor e o pior e com mortalidade mais pesada, temos por cá desenvolvido um sentimento de orfandade (e uma ponta de sebastianismo) com a partida do Vice-Almirante, entretanto enredado numa trapalhada de sucessão de altos comandos que bem se dispensava.

Independentemente de não ter pele para ser dinamarquês, gostaria de viver num país em que a confiança nas instituições fosse mais forte e sobretudo mais estável. Não podemos esquecer entretanto que a qualidade das instituições é um dos indicadores mais controversos do desenvolvimento, pois temos aqui problemas de causalidade que estão longe de estar totalmente resolvidos. A posição mais dominante é que a qualidade das instituições constitui fator de crescimento económico e de identificação do desenvolvimento, mas isso de qualidade das instituições tem que se lhe diga.

Sem estar em causa o apreço por Gouveia e Melo, que é muito (há dias ouvi o Vice-Almirante numa entrevista a um jornalista japonês que estava de olhos em bico com o discurso convincente do entrevistado que me deixou orgulhoso), gostaria que, apesar disso e louvando o seu papel em momento tão crítico do nosso destino coletivo, fôssemos mais dinamarqueses e menos vice-almirante. E, com outra confiança nas instituições, até seríamos capazes de descobrir novas lideranças, novas surpresas. Já com a polarização política está nas nossas mãos travá-la.

Errata (17.11.2021) - corrigida a frase "A sociedade dinamarquesa viu retribuída a presença destes três fatores num nível relativamente baixo de mortalidade quando comparado com outros países de rendimento per capita bem mais elevado"

 

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